OS TRUNFOS DA REGINA

Por Danilo Sili Borges


Parece uma daquelas novelas da televisão em que os capítulos se sucedem sem que a história caminhe, apenas aguçando a curiosidade do espectador. Entre os principais personagens rolam telefonemas, convites, idas e vindas para encontros. E nada. A nação continua aguardando  que o noivado anunciado com “pompa e circunstância” desemboque num vistoso casamento. A cena, que poderia estar a significar o fechamento da série, é apenas o começo de algo que tem potencial para ser emocionante na política.
De novelas entendo. Comecei menino nas radiofônicas, ouvindo O Direito de Nascer, na Rádio Nacional, início dos anos 1950, na qual o protagonista, Albertinho Limonta,  era representado pelo insuperável Paulo Gracindo, no caso sua voz. O meu know how indica que haverá casamento, apesar do passe da artista estar em poder da Rede Globo, que está fazendo jogo difícil para cedê-lo ao seu arqui-inimigo.
Está para assumir a Secretaria Especial da Cultura a atriz Regina Duarte e seu cativante e inseparável sorriso. Com ele e com suas interpretações, o Brasil se viu conquistado pela competência, simplicidade e doçura dessa corajosa – e, agora desconfiamos louca mulher.
Todos aqueles que torcemos pelo Brasil e pelo seu desenvolvimento cultural, esperamos que a Secretária tenha como prioridade o estabelecimento da paz no setor, gravemente enfermo pela incompreensão entre parte dos envolvidos com a produção da arte e a orientação governamental para o segmento (ou a falta dela), haja vista, a constante mudança de secretários na área. Regina, de cara, terá que se defrontar com questões cruciais, como os poucos recursos disponíveis.
Se por um lado os recursos são poucos, por outro as demandas são muitas, num segmento que depende fortemente de subsídios governamentais. A questão dos critérios para a concessão de incentivos é sempre delicada e deverá constar logo da pauta e das composições, para cima e para baixo, a serem feitas pela nova dirigente. Problema maiúsculo, explosivo e cabeludo. Esses critérios, para haver paz, não podem ser os da amizade, muito menos os políticos ideológicos – nem para aprovar, nem para negar – e devem se ater a questões técnicas. E como será a flexibilidade de um governo que repousa numa estrutura francamente ideológica?
Regina assume a Secretaria com alguns trunfos. O primeiro, sua popularidade, o carinho que os brasileiros lhe dedicam. Escolhida fora do campo da política, Bolsonaro declarou que lhe dará carta-branca para conduzir a política cultural. Nesse particular, aconselha-se à futura secretária a abrir os olhos para a validade dessas cartas. Não é previsível que a atriz venha a fazer sombra ao projeto eleitoral do presidente, como o ministro Moro, que da carta-branca, recebeu, logo no início do jogo, vistoso cartão amarelo. Num penalty mal marcado, levaram o COAF e agora ameaçam lhe tirar a Segurança Pública, certamente pelos belos gols que tem marcado. É de se prever restrições a uma possível atuação democrática da secretária, por parte de setores do Planalto e de rebentos presidenciais.
Mesmo sendo autêntica representante da área cultural não é possível antecipar o espírito de corpo que a respaldará, principalmente pelo seu perfil conservador, ainda que moderado. De qualquer modo, é preciso sopesar as opiniões dos muitos integrantes da área cultural, que por não serem extremados, têm permanecidos calados, mas que podem agora ocupar a ribalta em apoio à destemida companheira.
A ambição de Regina por começar, nessa altura da vida, carreira político-partidária é inexistente. Penso que seu interesse é trazer ao Brasil, à classe cultural, ao governo, a tão desejada paz para o desenvolvimento do que de melhor o país possui, que é a expressão do sentimento dos seus filhos nas diversas manifestações de um povo ainda em formação, a partir de múltiplas e ricas origens. Tenho convicção que Regina Duarte é como parece ser.
Que ninguém duvide! O caminho da nova secretária será árduo. Regina é meiga, tem o melhor sorriso do mundo, que espero, não lhe tirem do rosto, mas não é ingênua.
Todos estamos acostumados a vê-la em inúmeros papéis diferentes. Não percam! Na próxima semana vamos começar a assistir Regina Duarte no inédito papel de Regina Duarte.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Jan. 2020

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