HERÓIS E MÁRTIRES

Por Danilo Sili Borges


Desagradam-me os esportes marciais, os de luta corporal, como o box, o karatê, o jiu-jitsu. Há, no entanto, um aspecto que me chama a atenção nesses embates: os contendores se estapeiam, se socam, torcem membros, rolam chutes, joelhadas, cotoveladas e imobilizações, que certamente causam dor e traumatismos recíprocos e ao final se abraçam,  se cumprimentam e.... tudo bem. Não lhes sobe aos olhos, em nenhum momento, o sangue do ódio, da vingança, do tentar destruir o outro, como reação instintiva aos maceramentos sofridos. Deixam assim de ser apanhados pelos mais vis sentimentos humanos. Nota-se a sutil diferença entre adversários e inimigos.
Faço essa consideração porque entendo que ódio, inveja, medo e quaisquer sentimentos menores, ao turvarem os sentidos, fazem com que o contendor cometa erros, no que poderíamos chamar de estratégia. E então perde a luta.
Herói ou mártir são avaliações que o povo faz frente a fatos excepcionais desempenhados por cidadãos nas suas vidas na comunidade. O herói age em resposta à necessidade angustiante do outro, à sua emergência, ao risco que corre. Muitas vezes nasce de um impulso, indo além de sua obrigação como ser humano, como irmão, dispondo-o a tudo, pondo em risco a própria vida.
O povo constrói seus heróis. Por exemplo, ao salvar, em 1977, no Zoológico de Brasília, que hoje tem o seu nome, uma criança que havia caído no poço das ariranhas, o Sargento Sílvio Hollenbach tornou-se herói. Infelizmente, foi mortalmente ferido pelos animais. Em Janaúba, MG. 2017. A professora Heley de Abreu Batista, à custa de sua própria vida, salvou 25 crianças do incêndio que foi criminosamente ateado ao colégio em que trabalhava. Heroína.
Heróis por profissão são aqueles bombeiros, policiais e todos os que vão além das exigências laborais para acudirem os que estejam desvalidos. Estes, na maioria das vezes, não chegam a receber o reconhecimento público.
Quando é que o herói se transforma em mártir? Quando é percebido como tal? A resposta é: Quando os seus atos sacodem tanto o status quo, que criam inimigos dentre os que desfrutavam de situações privilegiadas ou de ilegalidade e esses reagem com ódio, violência e desejo de destruir o que lhes cortou as asas.
Vinícius e Jobim pontuaram “que o poeta só é grande se sofrer”. O mártir também. Por amor a uma causa ele é atirado no caldeirão dos sofrimentos pelos autonomeados inimigos. Tornado mártir, vivo ou morto, ele é invencível.
Jesus pretendeu transformar a religião do seu povo, de “olho por olho, dente por dente”, na do amor e do perdão. Temeram-no, mataram-no na cruz e o transformaram em mártir, para sempre invencível.
Tiradentes liderou a Inconfidência Mineira. Ao enforcá-lo, a Coroa portuguesa o transformou em mártir. A cada 21 de Abril, o homenageamos como precursor da independência pátria.
Não se faz necessário o assassinato para haver martírio. A perseguição sistemática pode ser suficiente. Juscelino transformou o país, dando ao brasileiro orgulho, autoestima e futuro. Gerou inveja e ciúme. Prenderam-no, acusaram-no, cassaram seus direitos políticos, obrigaram-no a viver fora do Brasil e, torpeza máxima, o impediram de visitar Brasília, a cidade-filha, que ele gerou e acalentou. Juscelino invencível. Símbolo maior do seu povo.
Por natureza e sobrevivência, muitos mártires transformam-se em estrategistas. E lutam a boa luta. Seus algozes, tomados pelo ódio, não veem, nem pensam. Com ações raivosas imaginam a vítima na frigideira das torturas.
Significativa parcela dos brasileiros entende que o ex-juiz Sérgio Moro prestou os mais relevantes serviços ao país, ao punir crimes de poderosos contra a sociedade. Suas sentenças despertaram os sentimentos de ódio, de vingança e de pavor nos que deviam, e devem, à Justiça (Ver a crônica Quem tem medo de Sérgio Moro? Em  cronicasdodanilo.blogspot.com 23/06/2019).
Para limitar suas ações no Ministério – ou até destitui-lo – jogadas têm sido feitas em sequência, só contidas pela movimentação dos que o apoiam ao ameaçarem ir às ruas. O óleo quente continua aspergindo seu odor na Esplanada.
Inimigos, e não apenas adversários, não percebem que, com os olhos injetados de sangue, não conseguem ver que, transformando Sérgio Moro em mártir, o estão tornando invencível.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Fev.2020

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