MEMÓRIAS FURTADAS

Por Danilo Sili Borges


Domingo, 16, Rio de Janeiro, bairro da Glória, local movimentado da Zona Sul da cidade. Arrancaram do pedestal, em ação audaciosa, a estátua de bronze da mãe do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, Proclamador e primeiro Presidente da República brasileira, que compunha o monumento a ele dedicado. A peça furtada tem dois metros de altura e pesa quatrocentos quilos. Ninguém viu o crime, o que configura façanha digna dos livros de Sherlock Holmes, escritos por Conan Doyle, na velha Londres.
O episódio provocou perguntas. A mais interessante, é: Por que na obra de evocação aos feitos do Marechal comparece sua progenitora? Fato que não é comum, em condições similares. Para comparar, ocorreu-me e, possivelmente, ao leitor, a lembrança da magistral Pietá, de Michelangelo, na qual Maria tem nos braços, Jesus, seu filho exangue ou morto. SMJ, nela o protagonismo é o da mãe que sofre. Ela é o proscênio do representado em mármore. 
Outras curiosidades surgem ao refletirmos sobre o episódio: Que destinação pode ser dada àquela escultura? Se considerado o valor intrínseco do material que a compõe, valeria, segundo especialistas consultados pela imprensa, algo em torno de 400 mil reais, o que não compensaria o trabalho e os riscos do “empreendimento”. Resta a hipótese do seu valor como obra de arte a ser comercializada com colecionadores piratas desses tipos de obra, que segundo li, existem no Brasil e no exterior. Nesses casos a obra alcança alto valor no mercado ilegal, até mesmo pela aventurosa história que a ela se associa.
Furtos de outras obras de importância para a memória histórica nacional podem ser relembrados: Imagens desaparecidas de santos barrocos das igrejas das cidades históricas de Minas, algumas de autoria de Aleijadinho.
Causou comoção, em 1983, o roubo da Taça Jules Rimet, conquistada em 1970, definitivamente pelo Brasil, na Copa do Mundo, daquele ano. O crime se deu na sede da CBF – Confederação Brasileira de Futebol, hoje CBD, no Rio de Janeiro. A peça com quase 4 kg de ouro foi derretida antes que a quadrilha que realizou o feito fosse presa.
Um furto sistemático, que poderíamos considerar como brincadeira de mau gosto, é o que por mais de dez vezes já levou os óculos da estátua, em tamanho natural, do poeta Carlos Drummond de Andrade, assente num banco no Posto 6 da Praia de Copacabana,  de onde o escritor de Itabira-MG costumava apreciar o mar e o por do sol, na cidade e no bairro, onde ele produziu a maior parte da sua obra. Desrespeito ao melhor da cultura pátria.
Dentre as subtrações mais misteriosas de bens alheios ocorridas no Brasil está o das seis gigantescas vigas de aço de alta qualidade, de sustentação do Elevado da Perimetral da Zona Portuária do Rio, durante o desmonte daquela via, num total de 120 toneladas. Até onde sabemos o material nunca foi localizado e muito menos os autores do maiúsculo feito. Certamente as peças não se destinaram a enriquecer a coleção de nenhum mecenas oculto. O aço deve ter sido transformado em outros objetos. Viva a reciclagem! O refrão da marchinha vencedora no Carnaval de 2014 foi: “Senhor prefeito, não é intriga. Aonde foi que enfiaram aquela viga?”
Ficou sem resposta a pergunta inicial: O que estava fazendo no monumento ao seu filho a estátua de D. Rosa Maria Paulina da Fonseca?
Mãe extremosa de 10 filhos, sendo 8 homens, todos militares, viu filhos seus seguirem para a frente de lutas na sangrenta Guerra do Paraguai. Não há registro de se ter ouvido daquela mãe, único lamento pelo risco que corriam.
No dia em que chegou ao Rio a notícia da vitória do Brasil, chegou-lhe às mãos o comunicado oficial de que 3 de seus filhos haviam deixado suas vidas no campo de batalha. Abalada, mas certa do dever que eles haviam cumprido, a valorosa senhora comemorou a vitória, pôs em sua janela a bandeira brasileira e comunicou: “Hoje é comemoração pela vitória, amanhã chorarei a morte dos meus filhos”.
Em 18/9/2016, Portaria do Comandante do Exército criou o Dia da Família Militar, cuja patrona é Rosa da Fonseca, nascida nessa data em 1802.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Fev.2020

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