SEIOS DE SILICONE

Por Danilo Sili Borges


Todos, num daqueles dias de agenda cheia, reuniões, problemas imbricados ao acordar pensávamos: “ainda viverei um dia em que vou levantar sem ter nenhum compromisso”. Até aos domingos, a segunda-feira aterrorizava. Agora é a nossa chance de não fazer nada e saber que amanhã e depois será a mesma coisa. E que a maioria está como nós.
 Ensina a sabedoria dos avós lusitanos que “não há bela sem senão”. Estamos vivendo os piores dias que a história registra. A melhor contribuição contra o coronavírus, ensinam, é ficar em casa.  Os que creem, que reservem tempo para orações, os que não, talvez venham a seguir aquela observação que afirma que não há momento mais próprio à conversão de um ateu, que aquele em que ele se encontra numa aeronave em risco.
A coragem hoje é a inação, oposta à natureza de lutar pela vida com que fomos providos. A linha de frente, o exército, são os médicos e os profissionais da saúde que enfrentam inimigo invisível com armas ainda inadequadas. Na segunda linha de defesa estão os que continuam produzindo nos campos, nas fábricas e laboratórios e os que garantem que esses bens e serviços nos cheguem às mãos. Equipes médicas, grupos de produtores e de logística, heróis nessa guerra maluca.
Como em todas, por trás das linhas de defesa existem os que, vendo as dificuldades, apostam no caos para ganhar poder ou dinheiro, sempre foi assim e sempre será. Para nós, os isolados, o perigo iminente é de ordem psicológica. O desânimo pode nos abater. Os meios eletrônicos nos possibilitam estarmos ligados aos acontecimentos em tempo real, o que é bom por um lado, e estressante, por outro, podendo ser viciante, nos levando a ficar frente à TV, boa parte do dia, conferindo miudezas do andamento de um imenso problema sobre o qual a nossa parte é ficar em casa, evitando aproximações com outras pessoas. Uma tortura para seres que constituíram todo seu desenvolvimento, distinguindo-o de todas as outras espécies, pela sua capacidade de estar juntos, de trabalhar e produzir em cooperação, de constituir acervos culturais cumulativos entre gerações. Precisamos estar juntos, o isolamento nos agride no âmago do que somos. O vírus nos atingiu no melhor que temos.
Tenho procurado estabelecer rotinas para não ficar sem rumo ao longo dos dias. Na TV as notícias repetem-se, o assalto à geladeira dói na consciência, pois põe em risco o ganho de anos de dieta.
Para o escrevinhador de crônicas o contato humano é indispensável. Os assuntos surgem com a conversa na fila da padaria, com o porteiro do prédio, na banca de jornal e nada supre o papo descontraído, às tardes, no café do Gilberto Salomão, com outros “usados”, jogando  conversa fora, analisando tudo e nada, comentando sobre os passantes e, mesmo agora, mais apreciador que praticante, medindo o balanço sensual da garota que passa – que me desculpem os politicamente corretos –,  não é coisa de machista, é observar e louvar o recurso que, a mesma natureza que, num deslize, produziu o SARS-Cov-2, colocou nos humanos para garantir a continuidade da espécie.
O mundo moderno apresenta maravilhas que podem ser apreciadas, ainda mais, neste tempo de crise: a internet e suas plataformas digitais permitem que nos reunamos com amigos fisicamente distantes.
Como rotariano, por décadas, às sextas-feiras, na reunião do clube, encontro companheiros amigos. Nessas ocasiões, tratamos de ações de valor para a sociedade em projetos diversos, de divulgação moderada, esse é nosso jeito. Fazemos e ouvimos palestras de interesse, promovemos intercâmbio de jovens entre países e diversos projetos humanitários, locais e mundiais, que objetivam a compreensão e a paz.   Nesta hora crítica, não podíamos parar.
Fomos salvos por plataforma digital, que me foi apresentada pelo companheiro Osvaldo Farnese, presidente do clube que me orientou no seu uso. Temos feito reuniões virtuais ao vivo e a cores. Temos usado a plataforma Zoom (existem outras) com excelentes resultados.
Para esta época, as reuniões digitais são boas, as presenciais são melhores. São como seios de silicone, são ótimos, mas há coisa ainda melhor.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Abr.2020

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