SEMPRE, AOS FATOS
Por Danilo Sili Borges
“Nada é mais cretino e mais
cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única
que é capaz de imbecilizar o homem”. Nelson Rodrigues.
Inicio esta crônica com a
reflexão de Nelson Rodrigues. Muitas outras existem no mesmo sentido, mas
nenhuma no estilo rude e sem papas na língua que caracterizaram o notável intelectual,
protagonista em sua época. Escritos com essa clareza são importantes, pois podem
funcionar como anticoncepcional para evitar que sejamos emprenhados pelos que
enchem nossas caixas de mensagens com toneladas de fake news. Se o teste de
gravidez acusar positivo, essa foi consensual.
Além das mensagens digitais massificadas,
vivemos também sob a influência de órgãos da mídia que tratam, igualmente, com
pouca ou nenhuma isenção, os fatos correntes. Lideranças estimulam a irracionalidade,
fulanizando a política, com atitudes do tipo, “eu sou a lei e o livro, siga-me
e serás salvo”. A atitude messiânica – com alusões – de políticos, não é de
agora, aproveita-se da maneira emocional com que encaramos os debates entre os
entes da república para nos conduzirem para o seu cercado psicológico. Para
esse modo de politicar, quanto mais polarização melhor. Algo do tipo, Corinthians
x Palmeiras ou Grêmio x Internacional, cujas divergências podem levar à
barbárie nos estádios. Na vida nacional também.
Os fabricantes de fake news estão
cotadíssimos no mercado. A esses não pretendo atingir com este texto. Eles
atuam por contrato, fria e estrategicamente com objetivos bem determinados. É
justo, democrático, natural e aconselhável que as pessoas tenham suas
preferências políticas, sejam elas quais forem. O que, de certa forma, me
preocupa são aqueles que, de boa fé, ao assumirem suas posições políticas, o
façam seguindo um guru ideológico, apaixonando-se pelo homem (aqui no sentido
genérico) que se apresenta como encarnando princípios e soluções.
O risco está na paixão pelo homem
que diz representar a ideia, e não pela devoção à ideia. Os líderes costumam ser
“metamorfose ambulante”, como se definiu um dos mais importantes do Brasil.
Eles não hesitam em mudar seus discursos, seus amigos, suas doutrinas, seus
livros – tal como está ocorrendo agora – pois seus apaixonados seguidores o acompanharão,
como um parceiro traído, que finge não ver a traição do outro para não ter que
renegar o sentimento de amor dependente que o envolve.
São muitos os exemplos recentes
do rompimento de uma liderança política com sua tradição e ainda assim de levar
consigo os adeptos, não de suas ideologias mutantes, mas dos enfeitiçados pela
sua pessoa.
Em uma campanha eleitoral
passada, Lula visitou Maluf em sua casa, com direito a abraços sorridentes,
pancadinhas nas costas e entrevista à imprensa, que adora o inusitado. Inimigos
por décadas com ofensas trocadas, visões ideológicas defasadas de 180 graus,
adeptos se esmurrando em ruas e praças e, então, trocaram juras de fidelidade e
apoios recíprocos. Às favas coerência, princípios, ética. E ainda assim ambos
na ocasião conduziram bem seus dóceis rebanhos.
Hoje estamos vivendo momento
semelhante e, se seguirmos de olhos fechados, os líderes e não suas ideias e deles
não exigirmos coerência, acabaremos vivendo o paradoxo de terminar defendendo o
que ontem condenávamos. FHC resolveu, de uma só vez, ao assumir seu primeiro
mandato presidencial, contradições desse tipo, declarando sem nenhum rubor na
face: “esqueçam tudo o que eu escrevi”. Professor e cientista político
renomado, mas como político brasileiro, jogou ao mar sua carga de coerência. Avaliar
fatos é a receita certa para curar esse amor bandido.
Ter fé é necessário para homens e
mulheres de conduta religiosa, que acreditam nos dogmas sobre os quais se
assentam seu entendimento do Universo e da Vida para além do mundo visível. Professar
religião, seguir seus líderes religiosos e a Palavra Divina é direito da pessoa
e não é disso que se está aqui tratando. Política não é e não deve ser religião.
Política não é questão de fé, é de raciocínio.
Acreditar cegamente, numa espécie de fé, em políticos que não têm
compromissos com “as verdades” que professavam, com furor, há poucos dias é
querer viver no céu das ilusões. Tenha cuidado ao acordar. Não vá cair da cama.
Crônicas da Madrugada.
Danilo Sili Borges. Brasília – Mai.2020
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