ATLETAS OU BUNDÕES
Por Danilo Sili Borges
Estava, quarta-feira passada,
alinhavando as primeiras ideias para esta crônica, quando recebi a notícia do
falecimento do amigo e companheiro rotariano José Maria Coelho. Pensei em
abandonar o tema que me havia ocorrido por ter o presidente da República, como
largamente o leitor acompanhou pela imprensa, dividido a humanidade em atletas
e bundões. Os primeiros, como ele próprio, que se fossem acometidos pelo Covid-19,
logo estariam curados e os demais, de destino incerto.
Não que Zé Maria tenha sido
vítima da pandemia, que atua encurtando o previsível ciclo vital. No seu caso,
o desgaste orgânico, que a todos cobra o preço da fruição da vida, o foi
levando pouco a pouco. Triste, mas inevitável.
Mantive título e tema, pois reconheci no meu
amigo um atleta. Não do tipo muscular. Quando me dei conta que, no grande jogo
da vida, Zé Maria tinha sido um atleta vencedor, um campeão. Nunca cheguei a
saber das suas habilidades nas quadras, nos campos ou nas pistas, que fossem
além das peladas de fins de semana ou das pescarias de beiras de rio, onde o
mais importante era o congraçamento com os amigos, ali ele exercia a sua melhor
jogada, a alegria contagiante.
O leitor poderá estar
questionando, por que, então, um atleta?
As principais qualidades da atividade
atlética são a pertinácia, a resistência e a resiliência, todas físicas e morais.
Meu amigo invariavelmente dispôs desses atributos em suas participações em
partidas públicas, comunitárias e empresariais. Empresário de sucesso,
respeitado, poderíamos dizer que teve nessa atividade de alta competitividade,
como nos esportes, alto rendimento, devido à sua atuação forte, viril,
exemplar. E correta. Um atleta.
Por fim, refletindo concluo que atleta é quem
usa bem, com proficiência, o melhor que pode os dotes com que a natureza o
proveu, além do que mais caracteriza os campeões: a capacidade de resistir, um
pouco mais, até alcançar a vitória.
Qualquer que sejam esses dons, ao
longo dos anos, o desgaste é inevitável, sejam os do físico, sejam os mentais e
intelectuais. A inexorabilidade do tempo vai reduzindo a capacidade muscular, a
prontidão cerebral, a memória. O pâncreas já não produz a insulina necessária à
energia para as tarefas cotidianas, os rins não filtram as impurezas que o
metabolismo produz. É a falência progressiva. Isso ocorre com todos, até com os
que foram os maiores atletas, os propriamente ditos, os dos músculos, os da
flexibilidade óssea, os da força ou da coragem física – os pelés de suas especialidades.
E nem todos nascemos para ser
atletas dos esportes e nem por isso somos bundões. Gente, com poucos músculos, pode
dar grandes contribuições. Gente, com muita massa magra, pode ou não, ter massa
cinzenta que sirva para alguma coisa útil.
A verdade é que todos,
irremediavelmente, vivem seu ciclo, como eu próprio. De moleque de praia,
bronzeado, forte, praticante de esportes, sem brilho, confesso, resistente às
asiáticas e outras gripes chinesas dos anos 60 do século passado, hoje aos 80,
estou escondido em casa, frágil como uma porcelana chinesa, pois minhas defesas
orgânicas e minhas comorbidades acumuladas pelo desenrolar natural da
preparação para o recuo do proscênio deste espetáculo contínuo, no qual cada um
diz sua fala e vai, lentamente, se tornando figurante desmaiado, até
desaparecer, no fundo de um palco que nunca fecha suas cortinas e cujos
espetáculos se sucedem entre dramas e comédias, algumas bufas, outras de
extremo mau gosto, poucas de heroísmo e de grandeza de caráter.
Entendo claramente que as
autoridades estimulem os jovens e até os idosos à prática de atividades que
provoquem a melhoria da saúde, a resistência física e orgânica. Mas isso pode
ser feito sem grosserias, sem jactâncias. Má educação não é maneira de ser, é
falta de berço.
Como não posso ser um atleta dos músculos, estou oficialmente, mas de
modo abusivo, colocado do outro lado do OU do título deste texto. Tenho ganas
de responder a quem propôs o dilema, com as mesmas palavras que foram usadas pelo
ministro Guedes, num debate no Congresso, ao ser chamado de tchutchuca. Não o
faço, pois trago de casa a sutileza da boa educação, que não me impede de dizer
tudo o que é necessário, mas sem ser chulo.
Crônicas da Madrugada.
Danilo Sili Borges. Brasília – Ago. 2020
danilosiliborges@gmail.com
Comentários
Postar um comentário