SEM MEMÓRIA, SEM CONSEQUÊNCIAS
Por Danilo Sili Borges
Há aproximadamente um ano,
estávamos indignados com o óleo escuro, pegajoso e mal cheiroso que manchava
nosso litoral nordeste, matava peixes, crustáceos e aves marinhas e rompia o
sutil equilíbrio ecológico dos arrecifes de largas extensões dos mares
nordestinos. Não se sabia de início a duração do que ocorria, mas se podia
observar que o petróleo cru se espalhava rapidamente do norte para sul. A
população local tomou a si o encargo da limpeza das areias das praias no que foi
seguida pelas prefeituras.
Além da questão ambiental
evidente que já afetava a pesca, havia também a preocupação com possível
frustração da temporada turística, importante fator para a atividade econômica
regional. Avizinhava-se uma catástrofe.
Rapidamente percebeu-se que se
estava diante de problema grave e incomum. As autoridades em todos os seus
níveis empenharam-se em combatê-lo. Navios equipados foram disponibilizados
pela Marinha, as universidades da região com seus pesquisadores e laboratórios investigaram
a origem do petróleo e a distância do ponto do oceano em que se deu o descarte
do produto.
Teria a “bomba ecológica” caído
acidentalmente nas proximidades do litoral ou sido lançada intencionalmente por
grupo terrorista numa das mais belas e aprazíveis regiões do planeta?
Acidente, atentado terrorista?
Guerra suja da Venezuela por causa das posições conflitantes do Bolsonaro com o
Maduro? Mil e uma hipóteses. As autoridades apelando aos mais modernos avanços
tecnológicos que identificam um rosto numa multidão, ou a que permite ouvir,
via um satélite indiscreto, o convite sussurrado do amante ao ouvido da
parceira para uma tarde no motel, afirmaram que logo encontrariam o culpado
pelo atentado/acidente que causou prejuízos ambientais e financeiros e que
iríamos, se necessário, aos tribunais para deles nos ressarcirmos. Estávamos
firmes e duros, como estivemos com Macron, o presidente, que cobrou e ameaçou
nossa irresponsabilidade com a Amazônia, aquele casado com a primeira dama
francesa, aquela que foi desnecessariamente ofendida.
Eis que repentinamente surge o
culpado: o velho navio Bouboulina, de bandeira grega. Toda a imprensa repercutiu
e nós, espantados cidadãos no início de novo governo, pensamos e até dissemos:
“Algo está mudando neste país”. E lavamos nossa alma na, então, água limpa do
nosso orgulho.
Mas a conversa morreu aí. Não
mais se ouviu falar do assunto. Pelo menos para mim, leitor assíduo de jornais,
nunca fiquei sabendo de confirmação sobre a culpa da velha nau, se o Brasil foi
ressarcido de prejuízos, se os danos ambientais foram ou serão reversíveis. Por
favor, se algum leitor, tiver notícias me atualize, meus arquivos estão em
aberto.
Como previu Drummond para coisas
insolúveis, “tinha uma pedra no caminho” e nós preferimos, como se costuma
dizer na simplicidade do povo, “enfiar a viola no saco”.
“Sem memória não há
consequências”. Esta tem sido prática corrente na condução das questões
públicas no país. Deixar o tempo passar e o cidadão ficar entretido com novas preocupações
e escândalos, esquecendo-se dos antigos
e até de compromissos de candidatos em suas campanhas.
Postergar para que
esqueçamos. Para a Justiça, a culpa por um
crime só gera consequências após terem se esgotado todos os recursos possíveis.
Coisa nova. Se já era cega, a Justiça ficou mais lenta. Para ricos criminosos há prescrições, recursos
infindáveis. Pressões populares desaparecem com memórias que se dissolvem.
O assunto empolgante no momento é
o Queiroz. Amigo do Presidente, assessor de seu filho, o senador Flavio.
Personagem de uma intricada história de “rachadinha” e lavagem de dinheiro. A
população está entusiasmada com os próximos capítulos que vão passar na Globo
News.
Enquanto isso, continuamos sem
saber a quem o deputado Rocha Loures iria entregar aquela mala de dinheiro, a
da corrida pelas ruas de São Paulo, lembra?
Queiroz e o senador estarão na
mídia enquanto isso for pedra no tabuleiro do xadrez político (sem trocadilho),
após tudo será esquecido. Sem memória, sem consequências.
A empresa Gedel & Irmão não
contou até hoje quem é (ou são) os outros sócios dos 51 milhões no apartamento
de Salvador.
Aos poucos, a Justiça se
movimenta, bem aos poucos, mais devagar que nossa perda de memória.
Bolsonaro quer a reeleição e o ex-presidente Michel Temer está no Líbano, em
missão oficial do Governo Brasileiro, cumprindo missão humanitária.
Sem memória, sem consequências.
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges. Brasília – Ago.2020
danilosiliborges@gmail.com
Comentários
Postar um comentário