BILAC E A TELEVISÃO
Por Danilo Sili Borges
“Senhor Engenheiro Danilo Borges,
Excelentes
suas "Crônicas da Madrugada". A de hoje, é perfeita, onde conclui-se
que: as videoconferências vieram para ficar.
Aproveitando
o ensejo, envio anexo a "Chronica" do Olavo Bilac, onde por volta de
1900, talvez sob à luz de uma "pomboca", êle descreveu como seria a
televisão que temos hoje.
Quem sabe,
um gancho para uma próxima Crônica sua. . .
Saudações
e saúde!
Miguel
José Teixeira”
A mensagem
acima se referia à crônica, ”Lives e Videoconferências” e me pareceu uma grande
oportunidade para ressaltar a importância da crônica, não apenas como gênero
literário, mas como documento histórico. Diferentemente de contos, ensaios e
romances, muito mais elaborados, que são produzidos após reflexões prolongadas,
cotejamentos de acontecimentos, e recebendo o entrelaçamento, por vezes, de
tramas produzidas pela criatividade do gênio literário, que se vão encaixando
na moldura temporal, a crônica retrata a visão e o sentimento do seu autor no
momento do acontecimento, como um slogan do velho Repórter Esso: “A testemunha
ocular da história”.
Bilac, como se verá em
“Chronica”, antecipou a televisão, e nossa citada crônica discutiu a utilização
das ferramentas virtuais como sendo um caminho sem volta. A imersão no presente
não impossibilita o cronista de lançar seu olhar adiante.
Para as
gerações atuais, Olavo Bilac ficou mais conhecido como poeta do movimento
parnasiano, mas destacou-se como jornalista, romancista e foi inexcedível cronista.
O espaço da Crônicas da Madrugada de hoje foi, com grande honra, cedido a ele.
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CHRONICA
OLAVO BILAC (1904)
Mais de quatro séculos
nos separam do tempo em que os impressores de Mogúncia e Strasburgo –
espalhando pela Europa algumas folhas volantes, com as notícias
da guerra entre gregos e turcos e das victórias do Sultão
Mahotmet II – crearam o veículo
rápido
do pensamento humano, a que se deu depois este curto, mágico,
prestigioso e expressivo nome: “jornal”.
Aquelles boletins dos discípulos e continuadores
de Guttemberg foram, de facto, o núcleo gerador d'esta
immensa e dilatada imprensa de informação, que avassalla a
terra, dirigindo todo o movimento commercial, político e artístico
da humanidade, pondo ao seu próprio serviço,
à
medida que aparecem, todas as conquistas da civilização,
aumentando e firmando de anno em anno o seu domínio e chegando a ameaçar
de morte a indústria
do livro, como acabam de confessar a um redactor de La Revue todos os grandes
editores da capital franceza.
Quem está
matando o livro não
é
propriamente
o jornal: e, sim, a revista, sua irmã mais nova,
cujos progressos, no século
passado e neste começo
de século,
são
de uma evidencia maravilhosa. Mas o “jornal”
e a “revista”
confundem-se, formando juntos a província maior da
imprensa, e aperfeiçoando-se
juntos, numa evolução
contínua,
que ninguém
pode prever quando nem como alcançará
o seu último
e summo estadio.
Justamente, agora, nos últimos
dias de 1903, dois physicos francezes, Gaumont e Decaux, acabam de achar uma
engenhosa combinação
do phonographo e do cinematographo – o chronophono – que
talvez ainda venha a revolucionar a indústria da imprensa diária
e periódica.
Diante do apparelho, uma pessoa pronuncia um discurso: o chronophono recebe e
guarda esse discurso, e, d'ahi a pouco, não somente repete
todas as suas phrases, como reproduz, sobre uma tela branca, a figura do
orador, a sua physionomia, osseus gestos, a expressão
de sua face, a mobilidade dos seus olhos e dos seus lábios.
Talvez o jornal futuro seja uma applicação desta descoberta...
A atividade humana aumenta, n'uma progressão pasmosa. Já os homens de hoje são forçados a pensar e a
executar, em um minuto, o que os seus avós pensavam e executavam em uma
hora. A vida moderna é
feita de relâmpagos
no cérebro,
e de rufos de febre no sangue. O livro está morrendo, justamente porque já pouca gente pode
consagrar um dia todo, ou ainda uma hora toda, à leitura de cem páginas impressas sobre
o mesmo assumpto. Talvez o jornal futuro – para attender a pressa, a ansiedade, a exigência furiosa de
informações
completas, instantâneas
e multiplicadas – seja
um jornal fallado, e illustrado com projeções animatographicas, dando, a um
só
tempo, a impressão
auditiva e visual dos acontecimentos, dos desastres, das catastrophes, das
festas, de todas as scenas alegres ou tristes, sérias ou fúteis, d'esta interminável e complicada comédia, que vivemos a
representar no immenso tablado do planeta...
Por agora –
enquanto não
chega essa era de supremo progresso –, contentemo-nos com o que temos,
que já
não
é
pouco.
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Para fechar, cabe
ressaltar, a sensibilidade de Bilac para o momento em que vivia, quando o mundo
tomava impulso para as grandes conquistas tecnológicas que se verificariam no
tumultuado século que se iniciava. Sua perspicácia em antever a televisão e o
seu serviço como meio de comunicação é surpreendente e antecede em, pelo menos,
quatro décadas, o que viria a ocorrer.
Crônicas da
Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Nov.2020
danilosiliborges@gmail.com
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