BRASIL X URUGUAI
Por Danilo Sili Borges
Não sou, hoje, desses aficionados
por futebol. Gosto do esporte como todos os brasileiros e o sonho de ser um
grande craque, na época em que as estrelas ganhavam mais glórias que riquezas,
dividi com os garotos da minha geração. Atualmente, com mais razões, o desejo
continua vivo nos jovenzinhos. Naquele início dos anos 50, vestir a camisa do
Vasco, o time que estava fornecendo a base e o técnico para a seleção
brasileira, era o meu sonho aos 9 anos. Acho que hoje a camisa desejada é a do
Barcelona.
Sou torcedor esporádico,
comodista, prefiro o conforto da zaga TV e poltrona e faço poucas incursões
pelas laterais para ir aos estádios. Vejo as decisões dos campeonatos e bons
jogos aqui no Brasil e na Europa, busco na realidade o espetáculo de excelência.
Não deixo de ver Brasil e Argentina, por exemplo, confrontos que no passado
marcaram a fogo minha carne, sempre disputas catimbadas, com brigas, polícia em campo, sangue nos supercílios,
num box não autorizado. O amor à pátria vinha ao coração e me irmanava a
vontade bélica de todo o país de invadir a Argentina e empurrar ”Los Hermanos”
até atirá-los no mar gelado da Patagônia.
Como não havia imagem, estávamos
sujeitos às palavras parciais do locutor da rádio, que tudo fazia para inflamar
o ouvinte, provavelmente narrando uma partida diferente da que ele estava
vendo.
Com o Uruguai a história é mais
dramática desde 16 de julho de 1950. Daí para cá, cada partida é uma revanche
da humilhação que eles nos impuseram ao terem levado, nas nossas barbas, a
Jules Rimet. Se o Bolsonaro já fosse nascido, ele teria, com aquele seu jeito
meigo, esperneado e gritado, “país de maricas”.
Grudado no rádio, ouvi o
impossível: Uruguai 2 a 1. Ali eu tomei, com dor, consciência da identidade de
ser brasileiro, isso aos 9 anos. Muito depois descobri, o porquê de Nelson
Rodrigues ter dito que a seleção é a pátria de chuteiras.
Na pequena Niterói de então, meu
colégio era vizinho da casa modesta em que morava o maior craque da nossa
seleção e um dos maiores que o Brasil já produziu, Zizinho. Educado, paciente, por
vezes, quando não estava concentrado ou viajando com o Flamengo, dava conversa à
molecada, falando de coisas do futebol, o que nos encantava.
Depois da derrota, só se viu
mestre Ziza passado mais de uma semana, com os olhos inchados do choro que
voltava lacrimoso, ao explicar o que, inconvenientes, queríamos saber. Tenho
certeza que havia sensação de culpa em sua atitude pela decepção daqueles pilantrinhas.
Era dignidade.
Terça-feira, 17, liguei a TV,
para curtir mais uma desforra daquele 1950 e descobri que nenhum canal estava
transmitindo o jogo. O que estaria acontecendo? E me foi explicado que as TVs
brasileiras se recusaram a pagar o valor pedido pela Conmebol pelo direito da
transmissão. Deixar de transmitir Brasil e Uruguai, partida de eliminatória
para a Copa? Noutras épocas isso geraria uma revolução. Mas tudo passou batido,
como se fosse a partida de golf que o Trump jogou depois que perdeu para o
Biden.
Comecei a refletir. Quem paga a
transmissão são os patrocinadores pelos comerciais que veiculam. Se não estão
dispostos a pagar é porque o retorno não lhes parece seguro, por quê?
Porque o jogo não atrai grande
número de telespectadores.
Com olhos do passado, pensei... Brasil
e Uruguai, eliminatória da Copa...!?
A ficha caiu! Sinto lhe informar
Nelsinho, a seleção não é mais a pátria de chuteiras. Os torcedores sabem disso,
exceto eu e outros velhos ingênuos.
A seleção é formada por
excelentes jogadores. Adolescentes são recrutados pelo exterior, vão para o
mundo rico e glamoroso e passam a viver outra realidade. Já não são nossos
soldados. A magia se quebrou. Quando são convocados, vêm cumprir um
compromisso, para eles não é a guerra de suas vidas.
Não os estou culpando. Isso
ocorre com os nossos gênios das ciências, das artes e de qualquer área, os que encontram
seus destinos em instituições estrangeiras e a elas se incorporam e lá seguem seus
destinos.
Nós, os que aqui ficamos, é que temos que construir um
país mais equilibrado, produtivo e focado no seu desenvolvimento para que os
nossos melhores possam ficar por aqui.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges.
Brasília – Nov. 2020
danilosiliborges@gmail.com
Comentários
Postar um comentário