O DIA DO ENGENHEIRO ELETRICISTA
Por Danilo Sili Borges
O Dia do Engenheiro Eletricista
comemora-se a 23 de novembro. Não tenho notícia de que haja outra profissão,
cujo dia que lhe seja dedicado tenha origem na data da inauguração da sua
primeira escola no país e que a cerimônia de sua inauguração tenha sido
interrompida pelo presidente da República.
Pensar em criar o primeiro curso
de engenharia eletrotécnica do país no início do século XX numa cidade
campesina que hoje, 2020, conta com 100 mil habitantes, distante centenas de
quilômetros dos principais centros industriais, não parecia uma boa ideia.
Pois foi exatamente o que fez o
advogado, Dr. Theodomiro Carneiro Santiago, em Itajubá, sua cidade natal. Ele tinha
vínculos familiares com o Vice-presidente da República, Wenceslau Brás, com
quem tinha trabalhado, quando este fora Presidente do Estado de Minas.
Rico, idealista, Theodomiro sabia
que a eletricidade estaria na base do desenvolvimento e que para isso era
necessário preparar mão de obra – engenheiros especializados. Partiu para a
Europa, viu nos países que visitou como era o ensino, contratou professores,
comprou equipamentos. Fechou o pacote e etiquetou tudo para Itajubá. A primeira
escola do tipo na América Latina estava em marcha.
Domingo, 23 de novembro de 1913,
chega a Itajubá a comitiva do Presidente da República Hermes da Fonseca e do
Vice Wenceslau Brás, este filho da região.
No entourage presidencial encontrava-se o Engenheiro Paulo de Frontin,
ícone da engenharia nacional, por seus feitos profissionais, como o realizado em
1889, ainda no Império, ao ter protagonizado o feito que ficou conhecido por
“Água em 6 Dias para o Rio”, contrariando todas as expectativas; ter se tornado
Professor Catedrático por concurso público para a Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, aos 20 anos e ser presidente do prestigiadíssimo Clube de Engenharia.
Iniciada a sessão de inauguração
do Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá, os discursos de saudação da
novel instituição escorregam para se tornarem críticos ao ensino da engenharia
como era feito nas outras escolas do Brasil. O incômodo de Frontin se tornou
visível. Em determinado instante, o renomado professor, aparteia, interrompendo
o orador, declarando “não apoiado” e estabelece-se acalorado debate.
A proposta, digamos, pedagógica,
de Theodomiro era a do ensino pela prática, diga-se de passagem, a que precedeu
e sustentou a Inglaterra na Revolução Industrial. As palavras que nortearam a
fundação da escola de Itajubá estão, hoje, gravadas em bronze na escola:
“Se a ciência é filha da
observação e da experiência, estes são em verdade, os processos pelos quais
principalmente ela deve ser ensinada”.
O ensino da engenharia do Brasil
estava baseado no modelo da École Polytechnique de Paris criada pelo genial
matemático Gaspar Monge, que entre suas inúmeras contribuições para a ciência
contam-se a Geometria Descritiva e a Geometria Diferencial. Monge gozava da
confiança e da admiração de Napoleão que lhe demandava soluções para as
questões técnicas de suportes administrativos e bélicos. A Polytechnique foi uma delas, para responder à necessidade
de engenheiros em qualidade e quantidade para os esforços bélicos e indústrias
da França. A resposta de Monge foi: ciências básicas e, em seguida, ciências da
engenharia. Instituiu verdadeira fábrica de engenheiros de qualidade.
Este o longínquo pano de fundo
sobre o qual se punha a discussão. Na realidade, a nova proposta contestava a em
uso. Imagino que os contendores naquele momento não situaram a discussão nesse
contexto ideológico. As acaloradas discussões extrapolaram o que se poderia
esperar de um ambiente festivo e chegaram ao ponto em que Hermes da Fonseca
encerrou precocemente a sessão.
Conhecido como “Escândalo de
Itajubá”, o episódio teve repercussão nacional. No blog Conversa de Engenheiro
(www.conversadeengenheiro.com) que mantenho, reproduzi matéria detalhada,
publicada no jornal Época, do Rio de Janeiro, em 24/11/1913.
À margem desses antigos fatos,
algumas reflexões merecem ser feitas:
O que parecia ser um
empreendimento educacional de difícil viabilidade, superou dificuldades de
percurso mantendo a qualidade de seu ensino, fornecendo excelentes
profissionais e homens públicos importantes. A escola hoje integra a Universidade
Federal de Itajubá, da qual foi semente. A competência tecnológica tornou Itajubá reconhecido
polo industrial em mecânica de precisão e aeronáutica.
Theodomiro e Frontin não debateram
o melhor modelo de ensino da engenharia e a altercação resvalou para vaidades
atingidas.
Até hoje, o desenvolvimento
tecnológico do nosso país é medíocre se o medirmos pelo número de patentes
anualmente registrados, o científico é maiúsculo se tomarmos o número de
trabalhos publicados em revistas científicas de bom nível, apesar de isso ser
discutível.
O que falta então para
atravessarmos a ponte que leva da ciência à tecnologia, do conhecimento
da realidade física à produção de bens e serviços?
Certamente essa é uma questão que
o nosso sistema educacional não tem sido capaz de responder. A orientação, há
muito existente, da exigência de docentes doutores nos cursos de engenharia em
todos os seus níveis, está alijando deste ensino os que trazem o domínio do
aprendizado pelo fazer, dos que projetam, dos que estão nas obras e no chão das
usinas e fábricas. Aí pode estar uma das causas da dissonância.
Talvez não seja mais hora das
vaidades. E os que formulam as diretrizes para o ensino das engenharias tenham
que fazer a síntese do que propôs Theodomiro, com o que defendia Frontin. Juntar
na academia os que sabem o porquê fazem, com os que dominam nos pormenores as
ciências da engenharia costuma dar bons resultados.
Um bom meio campo, com os que
chutam a gol, quem sabe, não dá um bom time?
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Nov. 2020
danilosiliborges@gmail.com
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