AS GUERRAS DA VACINA
Por Danilo Sili Borges
Meu conhecimento do perigo dos
vírus e da importância das vacinas começou ainda na pré-adolescência, quando
minha amiga de praia foi contaminada pelo poliovírus, naquele início do verão
de 1954. Rose escapou da morte, mas perdeu o movimento das pernas que se
atrofiaram definitivamente. Pouco tempo depois a vacina Salk seria criada.
Durante anos continuamos vizinhos
e amigos. Rose superou com garra sua deficiência e suas limitações. Desde
então, compreendo bem a importância das vacinas e das campanhas de vacinação e
não caio em conversas de “cerca lourenço”.
A sabedoria popular preconiza que
“A História não se repete”. Se tomada ao pé da letra, isso é verdade, se visto
em linhas gerais, encontramos fatos e circunstâncias que ocorrem com
características semelhantes ou francamente contrastantes com décadas de
defasagem, que podem não ter valor para a historiografia, mas que calham bem à
visão crítica dos cronistas, como analistas dos costumes e de personagens do
proscênio do palco da atualidade.
Sabe o leitor que no início do
século XX, tivemos um episódio que a História registrou como a Revolta da
Vacina?
Então, o Rio de Janeiro e
arredores estavam sujeitos a surtos epidêmicos de febre amarela, peste
bubônica, dengue, varíola, entre outros menos cotados. Coube ao cientista e
médico Dr. Oswaldo Cruz, combater esses males. Bem formado, com especialização no
Instituto Pasteur na França e competência reconhecida, foi nomeado para cargo
equivalente ao de Ministro da Saúde pelo Presidente da República Rodrigues
Alves, que acreditava na ciência e nos seus métodos. Com o total apoio do
Presidente, Oswaldo Cruz iniciou campanha de saneamento e higienização do Rio e
vacinação da população contra a varíola que ameaçava a cidade. A reação contra
a vacinação obrigatória foi tão grande, até com insubordinação militar, que o
governo teve que alterar esse dispositivo legal.
Falar de Oswaldo Cruz, de seu espírito
público, competência e serviços prestados é repetir o que os brasileiros sabem,
aos que não sabem, que Deus os perdoe!
A população que temerosa da
vacinação, como até hoje se vê, que havia guerreado contra a ciência e contra o
cientista, contra o saber e contra a lógica, acabou por entender o lado certo
da questão. Passado não muito tempo, o Rio se viu sujeito à intensificação do surto
de varíola, doença para a qual havia vacina desde 1796, (na realidade esta foi
a primeira vacina criada). A população, que até pouco tempo tinha resistido à
pregação do médico, sabia agora o que tinha que fazer para se preservar da
doença mortal ou deformante. A imprensa da época registrou as filas nos postos
de vacinação para receber a dose da antivariólica.
E agora, passados mais de um
século e algumas pandemias, outra guerra se instala no Brasil em torno de uma
vacina. O mundo repentinamente foi infestado pelo vírus SARS-CoV-2, que provoca
a Covid-19, uma doença do tipo “mata velho”, já que 87% dos óbitos verificados
atingem pessoas acima dos 50 anos, ou 73% acima dos 60.
Se deixada grassar ao seu bel prazer, sem as
medidas de contenção – quarentena, afastamento social e máscaras – a covid-19
provocaria uma limpeza etária na sociedade brasileira. Dos 200 mil mortos que estamos
prestes a atingir, 174 mil serão de homens e mulheres acima de 50 anos. Claro,
se isso não for contido pode, é verdade, levar ao equilíbrio financeiro dos
serviços de seguridade social, pois essa parte da população é a que mais
demanda por serviços dessa natureza. Os planos de saúde não são muito afeitos a
idosos, e festejarão com alegria. Mas essa seria medida que governante
mentalmente sadio não adotaria. Só para recordar, deixar grassar a pandemia
corresponderia à imunização por efeito manada, sem vacinação. Netos não
conheceriam avós.
Passado quase um ano com a
pandemia, os países mais avançados já desenvolveram vacinas que estão começando
a aplicar em suas populações. No Brasil, há uma guerra instalada, cujos
contendores entendem que a disputa acirrada sobre a vacina, sob variados e
absurdos argumentos, dará ao vencedor o direito a confortável estadia em
Brasília por 4 anos.
A população é inoculada com o
vírus da dúvida pelos que lhes dizem que a vacina não é segura, e que não devem
tomá-la, mesmo vendo que os que as produzem a estão aplicando em sua população.
Estatísticas falam em 22% dos brasileiros receosos de receberem a vacinação. Acreditaram
nessa conversa, a de “cerca lourenço”.
Desta vez, andou certo o STF ao
determinar a obrigatoriedade da vacinação e de medidas que evitem a
procrastinação para o seu inicio. Foram decisões para garantir o mínimo de
lucidez administrativa.
Enfim, alguém por nós.
Crônicas da Madrugada.
Danilo Sili Borges. Brasília – Dez. 2020
danilosiliborges@gmail.com
Adoro suas crônicas. Parabéns! !Impecável! Sempre, mais uma aula.
ResponderExcluirBj