UMA CRÔNICA SOFRIDA

 Por Danilo Sili Borges

Pela primeira vez me está sendo penoso escrever um texto para Crônicas da Madrugada. Depois de quase três anos, todos os domingos, sem faltar nenhum, de levar minhas opiniões aos meus amigos e encontrar nisso grande prazer, mesmo quando o tema em si mesmo é doloroso, o fato de abordá-lo, de refletir sobre ele, de emitir opinião, em suma, de participar, preenche minha necessidade de ser cidadão ativo, consciente e solidário.

Nunca me passou o sentimento expresso pelo saudoso jornalista e escritor Armando Nogueira, quando, numa entrevista, lhe foi perguntado se ele gostava de escrever. E sua resposta foi: “Não, gosto de ter escrito”. O exercício da escrita já faz parte das minhas madrugadas das sextas e dos sábados e não o troco por nada.

O autor de matérias sobre a transição de um ano para outro não tem muitas opções, ou faz a retrospectiva do que finda, ou fala das expectativas do que se inicia. Uma terceira possibilidade é o olhar crítico sobre o que foi, como fundo para a pintura das expectativas do que se presume venha a ser o vindouro a partir do uso da lente rósea do otimismo em lugar dos óculos cinza da tristeza que, eufemisticamente, chamaríamos de realismo. Este ano, os artigos deixam transparecer, ainda sob o efeito das restrições da longa pandemia, a depressão do isolamento, fazendo contraste, pela perspectiva da vacina, com a ansiedade do porvir.

Devo-lhes confessar que tive que fazer esforço para não faltar ao compromisso que me autoimpus. Muitas folhas de papel foram para a cesta de lixo. Esclareço que sou das antigas, enquanto estou pensando – primeira versão – a escrita é em papel e lapiseira, só depois, no “pente fino”, é que vou para o computador. O motivo do desânimo que me abateu, você vai entender, não é uma justificativa, é só uma explicação da razão pela qual a primeira crônica do ano, não traz em si os balões coloridos da felicidade.

Seria como o previsto se nos últimos dias de dezembro não fôssemos bombardeados com as notícias de grandes festas de réveillon promovidas por personalidades públicas. Centenas de convidados, bandas contratadas, uma diferente para cada um dos muitos dias que duraram as festividades. A título de crítica, as tvs divulgaram os eventos estimulando as participações. Autoridades “notificavam” os responsáveis, coisa para inglês ver, pois as festas continuavam acontecendo.

Pessoal da área de saúde alertou, não para os riscos, para as certezas estatísticas das contaminações em crescimento exponencial com o proporcional número de mortos, com o estrangulamento do sistema hospitalar, mas nada foi ouvido. Afinal, valeu mesmo o conselho do heroico morubixaba: “Todos vamos morrer mesmo, para que usar máscara e evitar aglomeração?”.

“Não há bem que sempre dure, não há mal que nunca acabe”. É um ditado que só vi ser usado em ocasiões críticas e elas parecem intermináveis. Para os que estão na faixa de risco, seus entes queridos, e todos os cidadãos responsáveis é preciso guardar a esperança e com ela o recolhimento e as demais medidas protetivas. Bom senso, e estilo.

A melhor criação do Homo sapiens, nos 300 mil anos de sua existência no planeta, foi fatiar o tempo – ano, décadas, meses, dias, segundos – em pedaços tão grandes ou tão pequenos de acordo com suas necessidades. Convenções, claro, mas foi usando-as que ele inventou a esperança, o otimismo e a frase “dias melhores virão”, quando as coisas estão difíceis. Sempre surge alguém para complicar e no século XX, Einstein descobriu que o tempo é relativo. Mas isso não mudou a saudade que sentimos quando estamos muito tempo longe dos que amamos.

E para que me volte o ânimo e a crença no futuro, relembro um grande homem. Em 1753, George-Louis Leclerc, Conde de Buffon, um dos maiores gênios já produzidos no seu país, filósofo naturalista, matemático, precursor da teoria da evolução, no seu discurso de posse na Academia Francesa, cunhou uma frase que ao longo destes quase 300 anos tem sido utilizada nas mais diversas situações: “Le style, c’est l’homme mêmme.” O estilo é o homem.

Nos atuais riscos que o planeta nos oferece, o estilo desejável para homens e mulheres é o da coragem de lutar pela vida, por cada minuto de vida, a própria e a de seus liderados. Este sim é o Homem Corajoso. O resto é bazofia!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Jan.2021

danilosiliborges@gmail.com

 

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