APANHADO PELA PALAVRA
Por Danilo Sili Borges
A participação na Cúpula do Clima,
promovida pelo Presidente Biden, é desses eventos a que nem todos gostariam de
ir, mas que não há desculpa plausível para justificar a ausência. O convite
amável, mas incisivo, não deixou margem para o RSVP educado sem ter que ir à
festa. Uma cartinha cheia de boas intenções comunicou a presença e o antecipado
prazer do congraçamento, ainda que virtual. Diplomacia sem o Ernesto Araújo é
outra coisa! Por dentro, a irritação, “É por essas coisas que eu preferia o Trump”.
A Cúpula teve longo elenco de
objetivos, alguns facilmente perceptíveis, outros que o tempo nos irá
elucidando. A grande expectativa para os jornalistas que cobrem a área
ambiental era o presidente do Brasil. Suas
posições não conformes com as teorias ambientais conservacionistas, passando
por sua ameaça de receber os americanos “com pólvora” na Amazônia, têm posto em
alerta os caçadores de flagrantes espetaculosos.
No script montado por Biden, cada
um dos 40 convivas teria que dizer o que iria fazer para salvar este planetinha.
O que diria Bolsonaro? Manteria seu protagonismo beligerante que ele
diariamente exercita na porta do Alvorada com seus apoiadores, ou, estando numa
festa, agiria mais de acordo com o ambiente, e menos com seus instintos e
crenças?
A eficiente diplomacia americana
montou o cenário. Dizem que o próprio Biden definiu a ordem dos oradores. Coube
ao nosso presidente a 17ª fala, note-se que o Brasil já foi protagonista no
proscênio mundial do meio ambiente e agora é relegado a uma posição
intermediária, o que possibilitou a ausência do anfitrião durante a exposição
do brasileiro. Coincidências ou maneira de conter a excitação do presidente
latino-americano e do seu comportamento imprevisível? Ao desqualificar o líder que
reage aos conhecimentos científicos em que se baseiam as políticas ambientais,
assim como tem reagido ao que a ciência médica já comprovou quanto à pandemia
que assola à humanidade, Biden provavelmente calçou-se para evitar um incidente.
A questão ambiental em nosso país
é problema grave para seus cidadãos quanto ao saneamento urbano, que, como
quase tudo por aqui, é tratado com ineficiência e eivado de interesses escusos,
com contas altas a pagar mensalmente pelas famílias nas suas despesas de água e
esgoto. Do ponto de vista global, nossa contribuição para o aquecimento e
mudanças climáticas é pequena. Nossa matriz energética é maciçamente composta
por energia renovável devido a nossas hidroelétricas. O que está assustando o
mundo é o descontrole do desmatamento ilegal e das queimadas na floresta
amazônica. A leniência observada no combate a esse crime é a contribuição
brasileira à extinção da presença humana na Terra.
Não sejamos também ingênuos: sob falsos
argumentos de transgressões ambientais, sofremos pressões de segmentos empresariais
estrangeiros nos quais somos mais competitivos e daí a concorrência procurar
nos desqualificar. Isso ocorre no agronegócio por parte de produtores europeus
e americanos e pela indústria metalúrgica americana, tantas vezes acobertados por
seus governos, mas a política equivocada na Amazônia em nada nos favorece,
nesse particular.
A destruição da floresta amazônica
é catastrófica para o Brasil e para a humanidade, segundo estudos. Nesta
crônica, ficaremos apenas com os aspectos ligados ao clima, outros existem. O
efeito regulador da floresta em pé é notável, mas torna-se crítico com o
desmatamento e as queimadas, quando o carbono é liberado. A floresta é
primordial na regulagem do clima global e especificamente do Brasil. O regime
de chuvas do cerrado e de outras extensas áreas do país decorre, em primeiro
grau, da ação do clima amazônico e da sua floresta.
Trump nunca deu bola para isso, Ernesto
Araújo, Salles e Bolsonaro também não. O atual crescente desmatamento, as
dificuldades criadas à fiscalização, a redução de recursos para o controle de
crimes ambientais mostram que a floresta está indo para o brejo (no sentido
figurado, pois por lá a tendência de igarapés e brejos é o desaparecimento).
A apresentação do presidente foi
limpa, sem agressões, com promessas e historiando feitos do Brasil em questões climáticas.
Prometeu reduzir prazos para atingir metas, aumentar recursos para controle e
fiscalização dos desmatamentos e queimadas. Passou o pires no final da missa. Foi
tão bom o discurso que mereceu uma nota dez com louvor do senador John Kerry, o
responsável por essas questões no governo americano. Kerry se disse surpreso
com os objetivos e os planos, mas lançou o desafio. “Será que eles vão fazer
mesmo?”.
Não pensemos que os “gringos” são
trouxas, eles conhecem as folhas-corridas de cada um dos atores da ópera “Eu te
amo Amazônia querida”. Eles preferem, é claro, o Nessun Dorma, com o
inesquecível Pavarotti, ao pedir com sua voz poderosa que todos permanecessem
acordados, à ária cantada por Salles, o tenor-boiadeiro, quando ele, no seu
melhor desempenho, em sala de segunda categoria, soltou a voz: “Todos dormem,
todos dormem/ vamos passar a boiada/ vamos passar a boiada, todos dormem/ todos
dormem com a Covid/ até a imprensa está dormindo/ Vamos passar a boiada”.
Quando garotos,
nas brincadeiras, nós tínhamos um código de honra: “Palavra de rei não volta
atrás”. E a de Presidente, volta?
Essa dúvida é de
John Kerry.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili
Borges. Brasília – Abr.2021
danilosiliborges@gmail.com
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