ELEIÇÕES E JUSTIÇA PRÊT-À-PORTER
Por Danilo Sili Borges
É fora de dúvidas que o sistema
eleitoral brasileiro é vencedor. Eleições a cada dois anos, cobrindo um
território com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, retalhado em 5568
municípios, com centenas de milhares de zonas eleitorais, com 147 milhões de
eleitores são motivo de orgulho para todos nós, principalmente quando
comparamos os resultados quase imediatos das nossas eleições com os de outros
países, até possuidores de condições materiais mais favorecidas que as nossas.
Se o sistema é, por um lado,
digno de aplausos, e temos que convir com a argumentação dos que são contra a
implantação do voto impresso, ao afirmarem que desde a implantação do voto
digital, no início do século, não se pôde constatar qualquer desvio acidental
ou provocado que interferisse em resultados. O Tribunal Superior Eleitoral tem
promovido testes públicos de segurança das urnas e do sistema concentrador de
dados com a participação de especialistas independentes e nunca foram relatadas
fragilidades que invalidassem o processo atual. Ótimo, dizemos todos. Mas, por
outro lado, o que nos faz temerosos é uma outra questão que está mais no fundo.
E qual é essa questão?
A resposta é simples. “Veja quem
tem olhos de ver”. Ela está entranhada na desconfiança do brasileiro nas
instituições. Estamos fartos de ver as leis serem aplicadas Prêt-à-Porter,
para serem usadas adaptadas aos personagens públicos das vidas mais escabrosas:
Se o paletó está apertado, alarga-se o prazo; se o modelo é antigo, deixa-se cair
em decurso de prazo; se o cliente está preso pelo cinto apertado, furam-se mais
10 buracos para ele voltar a andar por aí, com elegância e conversa de camelô.
E às pulgas que lhe insistem
fazer coçar atrás das orelhas, ele não sabe responder: – Será que o Ministro
não desconfiava que aquele narcotraficante internacional ia fugir assim que ele
o liberasse da prisão?
Ao acordar, depois do depoimento
do executivo da Pfizer, Carlos Murillo, que ele viu pela TV Senado, lhe veio à
cachola: “ao não terem comprado a vacina, não estariam apostando na imunidade
de rebanho? E aí o boi era o meu pai, meu filho, minha mãe, eu? Que grandes ...!”
O Congresso Nacional aprovou o
voto impresso para posterior e eventual conferência, em 2015, lei que foi julgada
inconstitucional pelo STF em 2018, sob a justificativa de que o procedimento
poderia facilitar a identificação do voto. O argumento, hoje, não é usado pelos
que se opõem à implantação do mecanismo que, acoplado à urna, imprime e guarda
o voto para eventual recontagem. Estes argumentam com o aumento de custos das
eleições e que com o maior tempo que cada eleitor ficaria na cabine de votação,
tornariam a modificação inviável ou desnecessária.
Outra preocupação, não comentada,
é o grande número de recursos que seriam necessários para recontagem de urnas
para todos os cargos, de Presidente da República a vereador. Para isso há
remédio fácil, aplicado ao bolso do “duvidador”. O procedimento que sugiro é: o
solicitante deve indicar quais as urnas que deseja ver recontadas; que deposite
em conta própria na Justiça Eleitoral o valor do serviço de recontagem,
estipulado pelo Tribunal Eleitoral, que ficará caucionado até conclusão da
apuração da recontagem; se na recontagem houver incongruência dos números, o
valor depositado será devolvido ao solicitante e lhe será fornecido documento
comprobatório do apurado, em caso de não haver constatação de desvio, a quantia
apurada será incorporada aos haveres do Tribunal para ressarcimento das
despesas.
Ressalto que os que se sentirem
prejudicados poderão pedir a recontagem utilizando procedimentos estatísticos,
(tal como os usados nas pesquisas de intenções de votos) que a partir de uma
pequena amostra, digamos 5% a 10%, podem ter uma boa aproximação do universo da
totalidade das urnas, podendo em caso de apuração de desvios, por menor que
sejam, acionar a Justiça Eleitoral, até mesmo para anulação da disputa por
fraude.
Apenas hipóteses. Do meu lado estou
certo de que as urnas eletrônicas dão resultados precisos, mas sem a
contraprova, sérios problemas podem ser gerados, e é melhor evitá-los.
A sabedoria popular ensina que “quem
vê as barbas do vizinho em chamas, deve logo colocar as suas de molho”. Voto
impresso pode ser, a meu ver, medida de prudência.
Em um exercício de imaginação,
pensemos no que poderia ter ocorrido nos Estados Unidos nas últimas eleições se
não houvesse, naquela consolidada democracia com sólida tradição de isenção da
justiça, a possibilidade da recontagem de votos, com as acusações de Trump de
fraude eleitoral, que mesmo sem nenhuma comprovação provocaram o grave
incidente da invasão do Capitólio.
E observem que lá a Justiça e a
Corte Suprema não fazem leis e não adaptam as existentes ao tipo e tamanho do
cliente. Para eles, que cada qual vista o terninho que merece.
Aqui, a alfaiataria ajusta os
modelitos aos corpinhos ilustres da República, se as calças têm que ser mais
largas para poder caber a grana na cueca, dá-se um jeito; se a roupa listrada não
dava um ar nobre, perdurado no cabide da Praça já tinha um modelito com colete,
para o dia da posse.
Todos bons profissionais de
alfaiataria, de quem entende do riscado, do corte e da costura. E põe costura
nisso. Mas é impossível não deixar as marcas do alinhavo, e isso todo mundo vê.
Por isso, voto
impresso!
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili
Borges. Brasília – Mai.2021
danilosiliborges@gmail.com
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