MOREIRA CÉSAR, CEP 24230-064
Por Danilo Sili Borges
Fui e continuo sendo admirador do
ator Paulo Gustavo. Acompanhei, como a grande maioria dos brasileiros, os
longos dias do seu sofrimento, torcendo pela sua recuperação, o que parecia
possível devido a sua juventude e à saúde em bom estado antes do contágio.
O ator prestava inestimável
serviço aos brasileiros ao levar, com seu humorismo, lenitivo tão necessário em
tempos bicudos como os que estamos atravessando desde muito antes do surgimento
da pandemia. Niterói deveria mesmo, como está fazendo, prestar a seu filho de
imagem popular positiva relevante e imorredoura homenagem.
Não tive a sorte de nascer em
Niterói, mas fui levado para aquela cidade usando fraldas e dali saí com
profissão definida, família constituída, e carregando na bagagem emocional os
“milhões de amigos” do Roberto Carlos, outro que tem parte de sua história
naquelas plagas, para a grande aventura de Brasília. A parte fluminense da
minha vida, passei-a quase toda em Icaraí, nas imediações da Rua Moreira César
– sempre dispensávamos o coronel que só constava abreviado nas placas das
esquinas.
Como brasiliense, me sentiria
ultrajado se autoridades locais propusessem alterar, por exemplo, o nome da
Avenida W3 para qualquer outro, mesmo que fosse para homenagear a sua maior
figura, o seu pai fundador, Juscelino. Penso que haveria unanimidade no repúdio
à alteração. W é uma letra que, na época, salvo engano, não fazia parte do
alfabeto oficial do país e que juntamente com o Y estavam proscritos e só constava
do nome da via por ser designação internacional da direção oeste. A denominação
W3 foi posta por um desenhista que detalhava o projeto urbanístico de Lúcio
Costa.
A W3 foi palco de tantos
acontecimentos, é dona de tantas lembranças e emoções, que ninguém vai ter
coragem de mexer com isso. A memória das ruas, praças, avenidas está ligada a
suas denominações e tem a ver com a intimidade das pessoas e das famílias por
gerações. Isso é patrimônio.
O Coronel Moreira César foi
personagem em Os Sertões, sua passagem pela história nacional deixou marcas de
violência e sangue, mas seu perfil tem que ser avaliado pelos valores da sua
época. E se puseram, em memória, o seu nome em uma rua, entende-se que então
suas ações eram tidas como positivas, ainda que contestadas.
Minha primeira leitura da
monumental obra de Euclides da Cunha deveu-se exatamente ao personagem Moreira
Cesar. Secundarista pelos meus quinze anos, era eu frequentador da Biblioteca Estatual
de Niterói e procurei numa enciclopédia a referência do nome da rua pela qual
passava várias vezes por dia e me deparei com a indicação da obra. Venci a
descrição de “A Terra”, conheci a crueza de um Brasil longe da minha praia e do
meu modo de vida e vi tantas e duras referências a quem deu nome a minha rua,
inclusive a morte desse personagem.
A troca de nomes de logradouros
têm muitas vezes o sentido de apagar a história, procedimento típico de regimes
autoritários e de mentalidades extremistas. Trocar o nome da mais que
centenária Rua Moreira César para Rua Ator Paulo Gustavo não afeta em nada nem
um nem outro. Atenta contra a memória afetiva de todos que transitamos por anos
por aquele caminho. A enquete popular feita em Niterói sob o impacto emocional
do desenlace trágico da vida do popular artista deve ser refletida com serenidade.
A histórica e belíssima cidade de Niterói merece que se crie lembrança
específica e exclusiva para seu ídolo popular.
Para mim a Rua Moreira César
trará sempre à memória a primeira paralela à Praia de Icaraí (que também tem
nome oficial, penso que só usado para endereçamento postal), bucólica, com
casas construídas em terrenos com grandes jardins, onde à noite cães pastores
ladravam furiosos ao voltarmos, os rapazes, para levarmos, antes das 21 horas,
as namoradas as suas casas e ao aproveitávamos a ineficiência da iluminação
pública com lâmpadas de filamento para os beijos de despedida. Ah! Moreira César
inesquecível!
No Rio, também existe o mesmo
movimento da troca de denominações de logradouros. Morre um artista famoso, uma
rua, uma praça, o aeroporto, tudo muda, como se a cidade estivesse nascendo
agora. Que se criem expressivos locais, ruas, bairros, monumentos para
homenagear quem mereça, mas que não se apaguem memórias.
Em Brasília surgiu um movimento
claramente no sentido de nublar a História pela troca de denominação de obra
pública: Uma das pontes sobre o Lago Paranoá tem nome oficial de Ponte
Presidente Costa e Silva. Há algum tempo tentam trocá-lo para Honestino
Guimarães, nome de jovem estudante da UnB nos anos 70, que teria desaparecido
por ação de forças da repressão política.
É, no meu entender, válido
lembrar o nome do jovem idealista, dando seu nome a logradouro ou monumento a
ser criado com esse fim, se aprovado pela municipalidade. O que não está certo
é o sentimento de tentar anular a memória histórica. O que ocorreu, merece ser
entendido e estudado. Fora disso é obscurantismo da pior qualidade.
Se a moda
pegar, podemos imaginar, somente daqui a muitos anos, assim espero, vão trocar
o nome da Avenida Presidente Vargas, no Rio, para Avenida Chico Buarque.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili
Borges. Brasília – Mai. 2021
danilosiliborges@gmail.com
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