O REAL MOEDA FORTE
Diante da pandemia que ceifa a cada minuto 2 vidas brasileiras, discute-se, dos botequins ao Senado da República, se ciência é mesmo coisa para valer ou conversa de americano para vender vacina para combater o vírus que os chineses inventaram.
Claro que esquecemos por algum
tempo dos diagnósticos feitos com auxílio dos equipamentos que perscrutam o
interior da intimidade das nossas vísceras e também dos medicamentos que curam
uma pneumonia em 48 horas e que há anos matava 90% dos que a contraiam. Mas,
ainda assim, a complexidade da nossa relação com outros seres da natureza, como
os vírus, por exemplo, pode ensejar mal-entendidos, como ocorre agora quando a
ciência é contestada e o empirismo é defendido com vigor medieval.
Há outras ciências nas quais as
incertezas são também maiúsculas, pelo menos, difíceis de entender pelo senso
comum do cidadão não versado em suas complexas relações, as quais até
justificam um anual prêmio Nobel aos seus melhores, refiro-me à Economia.
Para ilustrar, lembrei-me, aqui,
de historinha veiculada pela imprensa da época, protagonizada pelo já falecido,
Amador Aguiar, banqueiro, fundador e presidente do Banco Bradesco, então, uma
das maiores fortunas do país, conhecido por sua capacidade como gestor em
empreendimentos na área financeira.
Por ocasião do lançamento de um
dos seus livros de economia, o autor, Affonso Celso Pastore, renomado economista,
então presidente do Banco Central, fez chegar um exemplar com expressiva dedicatória
a Amador. Atenta, a imprensa registrou o fato. Passados alguns dias, uma
repórter inquiriu Amador: “– O senhor gostou do livro do presidente do BC?” Ao
que ele, com o seu jeito simples e direto, respondeu: “– Li o prefácio e mais
três páginas, não entendi nada. O que sei de economia é comprar quando querem
vender, e vender quando querem comprar, tudo o que fiz na minha vida foi assim”.
Para todos os que já tiveram experiências de investidores no mercado financeiro
sabem como isso é difícil. Os aspectos psicológicos envolvidos ao tomar
decisões de comprar e vender ativos sem conhecer o futuro são muito duras, pois
a economia assenta-se em princípios mutáveis como são, por exemplo, as
políticas locais, as globais, o clima, conflitos etc.
Vamos ao assunto título desta
crônica:
Sempre temi o encarecimento do
dólar, ele arrasta consigo os preços de tudo o que compramos. Sobe o preço do
pão, do tomate, das carnes, do que é importado ou do que depende de transporte,
de tudo afinal. É a inflação. A Petrobras corre e corrige a gasolina. Os caminhoneiros ameaçam greve. Há alguns dias
ele estava custando, um dólar, 5,87 reais, a imprensa noticiou como recorde
histórico. Foi um “deus nos acuda” para os bebedores de whisky e de vinhos
importados. E para o cara que come pela manhã o pãozinho com margarina, mas este
sente os efeitos sem saber dos meandros insondáveis da economia e nem chega a
engasgar com o aumento tantas vezes abusivo.
Ontem me dei conta que o dólar
está em queda – não sei se livre – mas li declaração animadora do ministro Guedes,
dizendo que a valorizada moeda americana rompeu para baixo a barreira dos 5,00 reais
e que o preço de equilíbrio é de 4,50. Exultei!
Enfim, Real moeda forte. Explicaram-me, mais uma vez, exportação de
commodities em alta!
Gritei pra minha mulher “–Zélia,
estamos salvos, a inflação vai cair, o dólar vai a 4,50, o Guedes, falou.” (Entenda!
Eu sou aposentado do Serviço Público e fui escalado para salvar a economia do
país, pois somos os culpados dos desarranjos das contas públicas – só os do
Executivo. Dos outros poderes e os militares não! Eles estão tendo aumentos e
promoções).
Continuei lendo o jornal e vi que
na próxima reunião do COPOM, para conter a inflação, a SELIC terá um aumento de
mais 0,75 ou 1 ponto percentual. Andei procurando a demanda que suporta a
inflação num país com 14 milhões de desempregados confessos e quantos outros
desistentes de procurar emprego, de empresas quebradas, de montadoras que
fecharam as portas e pediram seus bonés.
Cara pálida, está cada vez mais
difícil passar do prefácio do livro que o Ministro vai escrever para explicar
como é que a economia está melhorando. Qual será a cloroquina dessa quase-ciência
que ele professa?
Se tudo der
certo, como esperançosos aguardamos, só nos cabe indicar um Nobel para o Guedes!
Crônicas
da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Jun.2021
danilosiliborges@gmail.com
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