O BRASIL QUEIJEIRO
Esta semana, fui agradavelmente surpreendido com a notícia de que os queijos artesanais brasileiros tinham arrebatado as mais importantes medalhas do “Mondial du Fromage et des Produits Laitiers”, promovido na França, entre 12 e 14 de setembro. Os produtores brasileiros conquistaram 57 medalhas das 331 concedidas entre os 46 países participantes. O Brasil foi o concorrente com o maior número de medalhas Super Ouro, 5, e o segundo no total de medalhas. De repente, me dei conta de que somos uma potência da queijaria artesanal no mundo da gastronomia.
Minha primeira providência foi
enviar um WhatsApp para o meu amigo Ariel Montés – um dentista argentino que
conheci na minha época de camping, em Florianópolis, onde, com nossas famílias,
armamos, por acaso, as barracas lado a lado – , encaminhando cópias das
reportagens com uma nota minha, “Ariel, já temos bons queijos, venha com
Matildes para degustarmos. O tinto você traz”.
Tenho mantido com Ariel, amigo
distante, contato frequente, atualmente facilitado pela internet, e oportunos
encontros pessoais nas vezes em que, como turista, estive naquele maravilhoso
país e sempre que ele vem a congressos no Brasil, desloco-me para vê-lo ou ele
passa por aqui. Nossas conversas giram mais em torno das políticas, das
semelhanças e das dores comuns a nossos cidadãos. Nossa divergência está sempre
no futebol, exemplo: Pelé versus Maradona. Ainda não comentamos o vexame
recíproco do último Brasil X Argentina, o jogo que não houve.
Com apreciável produção leiteira,
a Argentina é tradicional produtora de queijos, com um altíssimo consumo per
capita. Nos anos 80, não tínhamos produção de queijos de qualidade. Ariel, no
camping, certa tarde perguntou-me, “os brasileiros não apreciam queijos?” Sem
entender a pergunta, devo ter feito cara de paisagem, o que o levou a explicar
que tinha ido aos supermercados em Florianópolis e encontrado apenas queijos
nacionais frescos. Queijos de sabor mais apurado eram poucos, importados e com
preços proibitivos.
A França é dos maiores produtores
de queijos do planeta, levando ao requinte extremo os procedimentos na
fabricação. Na implantação das práticas de segurança alimentar do Mercado Comum
Europeu algumas normas foram duramente contestadas pelos queijeiros franceses, particularmente
a que impunha que todas as variedades do produto deveriam ser fabricadas com
leite pasteurizado, o que fez com que os produtores se insurgissem contra elas,
argumentando que sabor, cremosidade e demais características nunca seriam as
mesmas. Desconheço no que deu essa pendenga, mas acho que os queijeiros têm a razão
pelo lastro de séculos de experiência.
Hoje, há disputa comercial do MCE
e da França com o Brasil, especialmente no agronegócio. Como vimos
recentemente, as antigas metrópoles ainda se sentem com direito para falar
grosso e não hesitam em arreganhar os dentes e até morder, como fizeram no
episódio das Malvinas com a Argentina e como o Macron tentou conosco por
questões da Amazonia.
No início dos anos 1960, Brasil e
França tiveram forte desentendimento provocado por estarem pesqueiros franceses
fazendo pesca de lagosta de arrastão na plataforma continental brasileira. Nossa
marinha atuou para impedir e o governo francês reagiu duramente, mobilizando
forças navais para garantir sua atividade econômica, predatória e ilegal. O
episódio rapidamente fugiu dos entendimentos diplomáticos e o presidente Jânio
Quadros chegou a determinar a concentração de forças militares no Norte para
uma possível invasão na Guiana Francesa, pois se previa nossa inferioridade num
conflito naval. Essa desavença, passou a ser tratada por todos os meios de
comunicação como “Guerra da Lagosta”. Com a renúncia de Jânio, João Goulart
assumiu e deu continuidade ao litígio.
Irritado com a repercussão
internacional que o incidente havia tomado, inclusive com a conotação
imperialista do governo francês, atribuiu-se a De Gaulle, cultuado herói, então
presidente daquela nação, a expressão, até hoje muito repetida: “Le Brésil n´est
pas um pays serieux”.
Entre outras muitas qualidades,
além de comandante da resistência francesa na II Guerra, e de estadista de
larga visão estratégica, Charles De Gaulle era frasista inigualável. Em certa
ocasião, criticado durante campanha eleitoral, ele disse a respeito das
dificuldades que encontrava, mas com orgulho: “Como é possível governar um país
que tem 246 tipos diferentes de queijo”.
Esse patriota francês, se vivo,
ao conhecer os resultados do concurso de queijos artesanais mudaria seu
conceito a respeito do “Brésil”. Ele certamente pensaria que somente um povo
sério seria capaz de produzir queijos tão bons.
Se há um passeio que gosto de
fazer é ir à Ceasa, em Brasília, visitar o meu amigo Leandro, um flamenguista
cheio de argumentos futebolísticos, dono da Casa de Doces e Queijos. A variedade de queijos de qualidade – além de
outros produtos – e o bom atendimento do pessoal justifica enfrentar o
trânsito. É uma tentação! Agora impedido de sair, por causa da pandemia, faço
os pedidos online.
Sei que, logo, Leandro
providenciará os queijos que brilharam no ”Mondial du Fromage” para sua
clientela. Quero experimentar um da Canastra ou de Cruzília com um bom pedaço de
goiabada cascão de Leopoldina.
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges. Brasília – Set. 2021
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF – ABROL BRASÍLIA
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