PUNIR, ADIANTA?
A fidelidade dos cães aos seus
donos não é aprendida. O desempenho de cada abelha na colmeia é parte da sua
bagagem inata, como a capacidade dos papagaios para imitar sons e vozes não
depende de frequência a cursos e instrutores. O cérebro ao nascermos pesa em
torno de 750 g e no adulto chega em média a
1500 g e, em jovem idade, a noção da individualidade já faz parte do
instrumental de sobrevivência. Se sou indivíduo, há outros, logo percebo! Há,
então, uma comunidade e surge daí a noção precoce dos direitos naturais, com
que todos nós humanos trazemos às primeiras luzes e com a qual se há de
conviver.
Ele, aos 7 anos incompletos, era,
o que se pode chamar, de um garoto esperto. Já naquela época, anos 50 do século
XX, educado sem coerção física, base do diálogo e do esclarecimento, como a
psicologia educacional começava então a ensinar, iniciou os estudos num grupo
escolar, então sinônimo de qualidade na educação infantil, sob a
responsabilidade das “professoras primárias”, que tinham obtido a formação nos “cursos
normais”, correspondentes ao 2° Ciclo do Ensino Médio, com três anos de duração.
Dotes inquestionáveis de inteligência, tinha o garoto.
Ao abrir a pasta com seu material
(mochilas ainda não existiam), sua mãe encontrou uma caixa de lápis de cor, se
bem me lembro da sua narração, Johann Faber, com 6 unidades, que nem chegavam a
completar as sete do arco íris.
Inquirido, o menino declarou que
era de um coleguinha, mas que ele gostou tanto, que ao saírem para o recreio
ele se apropriou da caixa. “Meu filho, não está certo pegar as coisas dos
outros..., mamãe compra uma pra você.” Que não estava certo ele sabia, a
justiça natural era cabedal comum a todos nós. O direito à propriedade, ainda
que de bens pessoais, é inquestionável. O Garoto, nosso herói, certamente tinha
noção que havia transgredido norma do convívio social.
Conversa entre pai, mãe e filho:
Pai: -- Sua mãe me contou que
você pegou a caixa de lápis de cor do seu colega. Você não sabia que estava
errado?
Garoto: (Silêncio, olha para o
teto)
Mãe: – Foi porque ele gostou muito e é uma
coisinha à toa...
Pai: – Mas foi errado, como vamos fazer para
corrigir? Amanhã, você leva os lápis e entrega ao amigo e pede desculpas a ele e
a professora que ficou preocupada quando o colega comunicou que os lápis tinham
desaparecido.
Garoto: (Silêncio, olha para
baixo)
Mãe: – Querido, (dirigindo-se ao marido)
vai ser muito constrangedor para ele, é uma punição, ele vai passar vergonha na
frente dos coleguinhas... muito difícil. Deve haver outro jeito!
Pai: – (Abalado nas convicções). É, o erro já foi
cometido, de que adianta punir. Deixa pra lá.
Pai: (Pequena pausa e continua
procurando uma justificativa) – Na realidade a escola é que devia cuidar para
que essas coisas não acontecessem. Isso mesmo! A culpa é do Grupo Escolar.
Dr. Garoto, dotes inquestionáveis
de inteligência e loquacidade, formou-se em Direito, tornou-se famoso criminalista,
com banca numa das principais cidades do planeta. Tem em seu currículo a defesa
de nomes ilustres da sociedade do país, inclusive de ex-presidentes daquela
república, frequenta os noticiários pela evidência dos casos em que defende
personalidades públicas que, aparentemente, também roubavam lápis de cor e
borrachas de apagar, quando estavam no grupo escolar, com o beneplácito dos
pais.
A vida em sociedade altera,
acrescenta e até deve aprimorar o conteúdo escasso, mas primoroso, da sacola
que cada um trás com os conceitos de justiça inerente à condição humana, que
todos, por mais simples que sejam os berços, entendem e professam, desde o seio
materno. O risco está quando a vivência, exercida sem autocrítica, deforma o
entendimento da ética, do direito, da honra.
Sabem os que, como eu, sofrem de insônia
terminal, que preocupações persistentes nos impedem o reparador sono da
madrugada. Desde que ouvi o discurso do Dr. Garoto, pergunto-me: para onde
caminha a sociedade deste país? E mal durmo!
“Se o crime já aconteceu para que
punir?”
Quantos pais têm ensinado aos
filhos que se apropriar do lápis do coleguinha não tem problema? E matar num assalto? E roubar os cofres
públicos? E invadir propriedades? E atingir dignidades em fake News? E em
dividir o trabalho alheio em “rachadinhas”?
Se houve o latrocínio, a vítima já
está bem enterrada, não há o que fazer. Que o criminoso (nem sei se o podemos
chamar assim) desfrute do produto do seu “trabalho”.
Se o assalto foi ao erário, aos
recursos públicos, e as vítimas foram crianças sem hospitais, sem remédios ou
velhos nas mesmas condições, que adianta punir? Eles já morreram e continuam e
vão continuar morrendo! Fica o dito pelo não dito, deixe prescrever e culpe o
juiz.
A opinião dos “garantistas” é que
o “sistema” é que deve se aparelhar para evitar ser roubado (hipócritas! Eles é
que são o Sistema), pois depois do crime, o que adianta punir?
Para tudo isso, até já há uma
teoria, segundo eu soube, conhecida como Abolicionismo Penal.
Haja cinismo!
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges. Brasília – Jan.2022
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
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