DANDO O PINOTE
Expressões
coloquiais são dessas que, na língua inglesa, denominam de expressões
idiomáticas. “Dar o pinote” é uma delas. Os bons dicionários, como o Infopédia,
a explicam como: fugir, escapar.
Durante décadas,
no mundo dos negócios e na política, a expressão foi largamente usada quando
alguém não cumpria com o acertado, desconhecendo compromissos, contratos e a
palavra empenhada.
Os que viram a
Brigitte Bardot no esplendor da sua sensualidade, quando de sua estada em
Búzios, trazida pelo namorado, o playboy Bob Zagury, os que foram às avenidas festejar
o tricampeonato mundial com os incríveis gols do Jairzinho, os que viram no Maracanã
ou pela TV, ao vivo, os dribles do Garrincha, certamente recordarão das Filipetas,
da Coroa-Brastel, do Banco Econômico, da quebra do fundo de pensão dos funcionários
da Varig e Transbrasil, o AERUS, que há 15 anos os responsáveis dão pinotes
para não assumirem culpas e incompetências, da Encol, do Plano Collor, da Vasp.
Todos, exemplos prontos e acabados de “pinotes” que foram dados nos incautos,
nós, os cidadãos brasileiros.
Os aplicadores
de “pinotes” têm especial preferência pelas poupanças. Até hoje é usual, sob formas diversas, as
pirâmides, nas quais, no início parece que o dinheiro vai jorrar até que a coisa
desarma e o prejuízo fica para alguns: nós, os incautos.
O maior
especialista em “dar o pinote” é, curiosamente, o governo, tanto o federal,
quanto os demais. Vamos a uns exemplos: primeiro, o IPTU. O conhecido Imposto Predial, que lhe chega às
mãos no início de cada ano. Até há algum tempo, cobria também o recolhimento do
lixo doméstico e comercial e a iluminação pública. Através de leis municipais, prefeituras
“deram o pinote” e criaram a Taxa de Lixo. As distribuidoras de energia, a de Iluminação
Pública. “Pinote” legalizado para botar a mão no bolso do contribuinte,
aprovada pelos legislativos municipais. “Pinote” dado pelas municipalidades ao
fugirem de compromissos de prestarem serviços pelos quais já eram remuneradas.
Inventar taxas e impostos é sempre “dar pinotes” em compromissos anteriores.
Vamos ao IPVA.
Imposto sobre veículos automotores, que você paga pelo direito de utilizar as
vias públicas. OK. Sem nos dar nada mais
em troca criaram uma Taxa de Licenciamento. Incremento de arrecadação para
fazer o que deveria ter sido feito com o que se arrecadava. “Deram o pinote”, e
nós estamos pagando outra vez pelo nem sei o quê.
É na área
financeira que os maiores pinotes são dados. Nem um é maior e aplicado por mais
tempo que a Caderneta de Poupança. Injusto por ser aplicado na população
trabalhadora, que pretende poupar para eventualidades e projetos de futuro. É
“pinote” aplicado nos economicamente indefesos.
A caderneta de poupança existe na Caixa
Econômica desde 1861, por ordem do Imperador Pedro II, e foi reestruturada
quando da criação do Sistema financeiros da Habitação, nos anos 1965. A ideia
era captar recursos para investi-los na construção de casas populares, recursos
da população para o atendimento de moradias. O sistema fecharia: os juros e a
correção monetária dos financiamentos pagariam os juros e as correções das
cadernetas. As artimanhas políticas e as
explosões inflacionárias desmontaram o SFH.
A credibilidade
alcançada pelas cadernetas era de tal ordem, que era comum, padrinhos abrirem
uma caderneta em nome dos afilhados e irem periodicamente fazendo aportes, para
que estes, ao atingirem idade adulta tivessem um pecúlio que lhes permitissem um
início de vida capitalizado.
Após alguns
anos, a política mudou, ou foi esquecida. “Pinote”. Até hoje, para pequenas
economias a Caderneta ainda é o único lugar para aplicação, na realidade, um
modo “certo e lento” de se perder dinheiro, ou de se transferir riqueza, para o
sistema bancário, pois em geral, o rendimento não cobre a inflação. O “Pinote” é, nesse caso, sutil, quase indolor.
A classe média
também vai levando seu Pinote. Ele se chama Previdência Privada. Quando o
sistema público de previdência reduziu os valores máximos de contribuição, para
dez salários-mínimos (e, portanto, os benefícios), claramente, houve a intenção
de assim favorecer à rede bancária. A parte mais rentável das contribuições
deixaram de ingressar no Instituto, e os benefícios financeiros –
aposentadorias e licenças – passaram a ser proporcionalmente menores, mas os
demais benefícios continuaram sendo demandados ao INSS.
Negócio de pai
para filho, ou de alguns dos governos de então para banqueiros (não me peçam
para comentar). As maiores aposentadorias pagas pelo INSS não mantêm o padrão
dos que percebem acima ou próximo aos 10 SM, que foram naturalmente estimulados
à previdência privada.
E mensalmente o
trabalhador de classe média retira do seu salário uma fatia pa
ra o plano de
saúde (pois a saúde pública é precária) e outra fatia para o fundo da
previdência privada. Na maioria dos casos do próprio banco em que recebe seus
proventos.
Não
especialistas em finanças, esses aplicadores, em geral não se detém em
observarem o rendimento real dos seus investimentos, mas se o fizessem, numa
grande parte dos casos, iriam verificar que, tal como na poupança, perdem para
a inflação, isto é, seus pecúlios são corrigidos por índices que não cobrem a
desvalorização da moeda. Outra vez o “Pinote” ameno, quase indolor, como a
aplicação de uma injeção subcutânea com agulha fina, aplicada pelas mãos hábeis
de enfermeira risonha e perfumada.
Crônicas da
Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Abr. 2022
O
autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Comentários
Postar um comentário