EU, CIDADÃO PORTUGUÊS

 



Às quintas-feiras começo a elaborar o texto que inicia a circulação aos sábados. A tarefa mais delicada é a escolha do assunto. Esse, para ser bom, deve ser pinçado dentre os que esvoaçam, com insistência na cabeça do cronista, ou por constar na sua lista de preocupações, ou por se insinuar devido a outro sentimento forte, marcado na palheta das emoções humanas, entre o extremo amor e o desenfreado ódio. Forçar a barra fora desse limite é ter um escrito inócuo, que não mexe com corações ou intelectos.

Estava, desta vez, pronto para falar de Augusto Alves, um saudoso mestre, português da Ilha da Madeira, a quem devo muito da minha formação. Augusto foi o homem (no sentido de ser humano) mais inteligente que conheci dentre as centenas de milhares com quem convivi ao longo de uma vida passada em instituições ligadas ao cultivo do saber. Interrompi essa crônica por motivo que logo lhes darei conhecimento.

Para encerrar a participação do madeirense professor neste depoimento, direi apenas que sua vinda para o Brasil, no início dos anos 1950, quando aluno da Universidade de Coimbra se deu por se indispor com o Salazarismo. Fugindo, e de carona num barco pesqueiro, buscou refúgio e cidadania no Brasil. Comprometo-me, em futuro próximo, completar o artigo iniciado e interrompido sobre esse “Tipo inesquecível”.

A crônica que iniciara se interrompeu no momento em que me inquiri, por que as pessoas buscam outra cidadania fora ou além daquela que lhe foi atribuída pelo nascimento?

Cidadania é a possibilidade de viver numa “cidade” organizada com instituições estabelecidas em funcionamento harmônico e garantindo direitos iguais a todos, com as leis sendo cumpridas sem privilégios.

Percebi que na minha palheta de emoções ressaltavam as cores da indignação. Afinal o dinheiro roubado e devolvido teve ou não autoria? Houve corruptos e corruptores?
Aquelas malas com os 51 milhões existiram ou não? A corridinha do deputado com a mala?

Os dinheiros nas cuecas, a do assessor e a do senador, não se fala mais nisso?

Nomes que vão e voltam: renans, jaders, aécios, cunhas, collors. sarneys. fhcs. valdemares.

Leis e PECs que se fazem para privilégios. Agora nas imediações das eleições, após 3 anos sem aumento para os funcionários do executivo, o presidente notou que terá poucos votos desse povinho, falou em 5%, mas está cogitando em dar o aumento no vale refeição, para deixar de fora os aposentados. Casuísmos, injustiças. Outros segmentos do funcionalismo obtiveram aumentos expressivos. Cidadania de quê?

O que se pode esperar do após 2022 se prevalecer o que se vê das prévias com a polarização medíocre dos candidatos sem programas. Um calcado numa ideologia falida, tentando ressuscitar nesta parte do mundo a URSS, sob a liderança de um patético protagonista álcool-circense e do outro, de uma mistura de Trump e Putin, quando este, o de verdade está fadado ao fracasso estrondoso. Estamos mesmo no sal...

Acho que não vou ter necessidade de um pesqueiro para me levar a Lisboa. Alcançar a cidadania portuguesa, no presente, está bem viável para descendentes.

Meu avô paterno nasceu no Concelho de Sabrosa, 1860. Chegou ao Brasil ainda no Império. Minha avó, em Lisboa. Vou pedir essa cidadania aos 81 anos de idade, provavelmente nesta idade não vá para lá residir, mas irei para rememorar os anos que ali vivi sob o abrigo de um convênio entre a UnB e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, valioso na minha formação profissional. Com a condição de cidadão lusitano homenagearei meus maiores e terei a sensação de estar vinculado a uma comunidade organizada, com leis, poderes decentes e respeito entre instituições.

Se alguém estiver pensando que essa providência tem a ver com tentativa de proteção de patrimônio, quero informar que vivemos, minha mulher e eu, com nossas aposentadorias, ela do INSS e eu de servidor público federal, como professor universitário, cujos proventos sofrem constantes atentados, como se fossemos os grandes culpados do déficit das contas públicas.

Não estou renunciando a minha cidadania brasileira, mas dando um grito de desabafo por estar vivendo tempos tão bicudos nesta terra sempre tão promissora. Brasil País do Futuro, como o viu Stefan Zweig, e tão poucas vezes de algum presente.

Nós só precisamos de vergonha na cara!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – jun. 2022

danilosiliborges@gmail,com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA



Comentários

  1. Saúde Professor Danilo! Pois, sucesso você já tem! Lembre-se que Gonçalves Dias, quando em Coimbra, já preconizava: "As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá". . .

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  2. Colorosos parabéns luso-brasileiros, meu caro Prof. Danilo.
    O conteúdo e o nível de sua redação expressam sua grandeza de homem de bem e de intelectual.
    "Os liquidar ex abundância cordis".

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  3. Corrigindo o computador:
    "OS LOQUITUR EX ABUNDANTIA CORDIS"

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