A BANALIZAÇÃO DA MORTE
O título desta crônica poderá
levar algum leitor a argumentar que nada é mais banal que a morte, afinal todos
os seres vivos, dos mais simples, aos mais complexos, os humanos, encerram o
seu ciclo de vida dessa forma.
A verdade é que não aceitamos com
naturalidade esse fato, e é sobre ele que se constroem filosofias e religiões.
Schopenhauer, grande filósofo alemão, descreveu a morte como “a musa da
filosofia” no início do século XIX. Sócrates, sobre o mesmo tema, no Período
Clássico da civilização grega, definiu a filosofia como a “preparação para a
morte”.
Ao começar a refletir sobre este
tema, lembrei-me de um belíssimo texto da saudosa escritora Lya Luft publicado
na Revista Veja em 2014, O Ciclo da Vida, que o Google sempre a postos
me trouxe novamente às mãos, no qual a autora o aborda a partir de variadas
visões, a começar pelo poema, por ela traduzido, da poetisa americana Edna ST.
Vincent Millay, Elegia sem música, que mostra seu inconformismo frente à
inevitabilidade da morte:
“...........
Na treva da tumba lá se vão, com
seu olhar sincero, o riso, o amor;
Vão docemente os belos, os ternos,
os bondosos;
Vão-se tranquilamente os
inteligentes, os engraçados, os bravos.
Eu sei. Mas não aprovo. E não me
conformo.”
Em diálogo com sua netinha, que
lhe pergunta a razão de não ter avô, Lya explica ao nível do entendimento da
criança “...a vida das pessoas é como a das plantas e dos animais.........ou
simplesmente se acabam como uma vela se apaga.” E daí lhe surge a ideia do medo
que sentimos da morte, segundo cada um, devido a nossa crença. E então, como
num lenitivo apaziguador, recorda a frase de Sócrates na hora em que beberia
cicuta, condenado a se matar: “Se a morte for um sono sem sonhos, será bom; se
for um reencontro com pessoas que amei e se foram, também será bom. Então, não
se desesperem tanto”, disse aos discípulos naquela hora final.
O artigo acima comentado, na
quase totalidade trata da morte digna, ainda que inevitável, sentida e
pranteada. Em apenas um curto parágrafo é feita menção de que “Morrem mais
pessoas aqui de morte violenta do que em guerras atuais. A banalização da morte,
portanto a desvalorização da vida é espantosa”.
E é por aí que vamos agora pôr o
nosso foco.
A insegurança das ruas, praças e
qualquer local público desafia os aparelhos policiais de qualquer país, como se
tem visto. No Brasil, a questão é absurda.
Após as duas guerras devastadoras
travadas na Europa no século passado, com o total estimado de 75 milhões de
mortes, vejo-me a considerar a hipótese de uma guerra global pela generalização
do conflito Rússia x Ucrânia, os dois países mais extensos da Europa, situação
impensada, até há alguns meses.
Tiroteios em massa nos Estados Unidos
alcançaram o número de 300, segundo vi na imprensa, por razões como intolerância
religiosa, racial ou sem aparente explicação. Naquele país, onde a democracia e
o respeito às leis têm sido exemplo para o mundo, tivemos a vergonhosa invasão
do Capitólio, com mortes, pela não-aceitação dos resultados das eleições para a
presidência do
país, apesar de a Justiça ter confirmado em todas as instâncias o
resultado das urnas.
Há poucos dias, o ex-premiê
japonês Shinzo Abe foi assassinado a tiros por razões até agora (pelo menos
para o meu entendimento) não esclarecidas.
Preocupo-me pelo clima irascível
que vai assumindo por aqui a campanha eleitoral. O episódio de Foz do Iguaçu é
sintomático, como já o foi o atentado ao então candidato Bolsonaro, em 2018.
Os estádios de futebol e suas
imediações têm servido de palco para lutas mortais sem outro motivo além das
cores diferentes das camisetas.
Dirão alguns leitores que em
todos os tempos, a humanidade foi violenta. Guerras, mortes, falta de comiseração,
como no tráfico de escravos durante séculos da África para o Novo Mundo com uma
incrível mortalidade. Egoísmo, poder, ganância, insensibilidade como no
comércio de humanos, por exemplo.
Mas como justificar a violência
por si mesma, como a do adolescente, que toma uma arma e mata quem encontra
pela frente; ou o que por uma diferença de visão política atira ou esfaqueia o
que lhe parece ser um inimigo, e não alguém com uma opinião divergente. Por um
nada se elimina uma ou cem vidas.
Qual a origem desse paroxismo?
Que matérias ou espíritos maléficos se introduzem no pensamento das pessoas
para que não tenham sentimento de empatia pelo próximo? Acreditar como na Idade
Média no Demônio?
Sou levado a concordar com os que
atribuem a mídia com seus vídeos e programas de violência e mortes e nos jogos
eletrônicos, que simulam com grande perfeição à realidade a causa desse estado
psíquico desajustado e beligerante.
A realidade virtual, simulada pelos meios
eletrônicos, acaba por induzir os comportamentos reais, afinal esses meios
treinam pilotos para irem a guerra e irem em casos reais destruírem e
eliminarem instalações inimigas, em guerras reais. Realidade e simulações se
confundem. Há que se repensar essas práticas, como entretenimento.
Possivelmente esses meios
eletrônicos promovem nas mentes, de forma sistemática, a banalização da morte e
levam na sua esteira a desvalorização da vida com todas as consequências que
estamos vivenciando.
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges. Brasília – Jul. 2022
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÌLIA
Absolutamente correto. Não perfeito porque a perfeição não existe, é um caminho inatingível. Acredito que alguns fatores influenciam decisivamente na violência. A falta na crença da vida em outra dimensão, não em religião, que foi feita pelo homem, com todos os seus defeitos e vícios. A falta da crença em um ente superior, na mensagem do Mestre da cristandade. O desequilíbrio emocional e a consciência de que o cidadão sensível ao bem está desarmado, desprotegido. Isto não é apologia ao armamento. O porte de arma, só é dado para quem tem registo, tem regras e o portador é facilmente identificado e punido pela prova que deixa na digital do projetil. O meliante, mal intencionado, não usa arma registrada. O problema maior é a legislação, quando aprovada mediante suborno. Melhor, a corrupção dos males, é o maior. Ao agente público cabe observar a lei. Advogados hábeis, dependendo do caso e do valor envolvido, sempre acham uma brecha na legislação para beneficiar o infrator.
ResponderExcluirCorrigindo: "Registro".
ResponderExcluirPenso q governos são os principais responsáveis pelas guerras e banalização da morte. Colocar muito dinheiro nas mãos de poucos governantes viabiliza está monstruosidade. E preciso repensar o sistema tributário, diluir o poder para muitos. Danilo sua reflexão e oportuna, vivemos hoje uma tensão absurda. Aba. Ronaldo carneiro
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