EU TE PERDOO, EU ME PERDOO
Eu gosto das pessoas de sangue
quente, das que se exaltam, das que não levam desaforo pra casa, como minha tia
Jildete, capaz de tirar a limpo qualquer dúvida que ficasse no ar, até mesmo
numa conversa de família, que parecesse que lhe queriam pisar os pés, com
insinuação maldosa. Passada a indignação, a fúria cessava. Às vezes o processo
de digestão e de voltar “às boas” consumia tempo, dias, semanas, mas certamente
acontecia, todos sabíamos.
Eu nasci pobre, porque meu pai, antes
bem situado, havia perdido seu patrimônio, segundo me foi contado, por ter sido
lesado por sócio, parente próximo. Avaliou meu pai que a desforra física total,
que chegou a ser cogitada, levaria à desagregação familiar, ao caos. Calou-se,
absorveu perdas e, religioso que era, disse, uma só vez: “Entrego a Deus”. E
daí em diante conviveu com o predador normalmente no contexto familiar. Só me
sinto à vontade de trazer esse fato à luz por não estarem entre nós os que
poderiam identificá-lo.
Eu gosto das pessoas que perdoam!
Eu gosto das pessoas que ao errar
admitem o erro!
Que assumem postura humilde e se
desculpam. É preciso que o reconhecimento do deslize seja sincero, brote da
alma. Se danos houve, que pague os reparos. Se há o que aprender, que cumpra as
penas do purgatório aqui mesmo. Mas que receba do ofendido as graças da
desculpa, as bençãos do perdão.
Eu lamento pelas pessoas que são
incapazes de perdoar!
Elas se condenam a penas eternas.
Não me parece eticamente
aceitável sequer a expressão: “Que Deus te perdoe” ou mesmo a terceirização
feita por meu pai a quem lhe prejudicou. É uma espécie de “lavar as mãos”
passar o perdão para ser procedido por Deus, que é só bondade, e que, portanto,
nada Lhe custa. Com isso terá o ofendido realmente deletado do coração e do
cérebro culpas e desejos de revide?
A cada manhã, antes da prática da
meditação, faço uma reflexão em que abordo diversos pontos da minha vivência,
os mesmos, quase sempre, mas a repetição diária me faz ir aprofundando aspectos
que antes me tinham passado despercebidos.
Uma questão que no cotidiano perpasso
é a da minha conduta ao longo da existência, ora como causador de dores,
incompreensões e injustiças e também de ter sido eu, de algum modo, pessoa que
sofreu procedimentos da mesma natureza neste caminhar.
Como todos, fui vilão por muitas
vezes. Sobram-me arrependimentos. Na grande maioria dos casos não dá para
corrigir o dano praticado: Como apagar da memória da garota que não me quis na
adolescência o poema satírico que fiz e divulguei debochando dos cravos do seu rosto?
Ou do esquecimento definitivo de amigos-irmãos quando a vida atribulada deles
me afastou geograficamente.
Fui duro e impiedoso algumas
vezes em negócios, por ganhos a mais e por vinganças. Não roubei e não matei,
mas fiz sofrer, com desforra multiplicada aos que me machucaram. Fui tantas
vezes intolerante, injusto e pusilânime.
E por tudo isso, e por muito
mais, diariamente, eu me perdoo!
Se fui algoz, fui também vítima.
Do que tenho recebido de ofensas, prejuízos e
injustiças ficaram-me sentimentos de desgosto, de desesperança e porque não
dizer, de desejar mal, com a força de mil bois. Apequenamentos impostos,
traições por poucas coisas, humilhações envenenaram-me o pensamento. Silenciosamente
continuei a sofrer com fatos pretéritos, com a vilania alheia.
Obrigaram-me a encerrar minha
carreira na academia aos 50 anos de idade, por meu espírito livre e
independente ser incompatível com a noite reinante, então, naquele ambiente
dominado pela intolerância ideológica.
Além de sofrer com o que havia
praticado, padecia com as reações que desenvolvera com o que havia recebido. Dei um basta nessa situação. Passei à prática
diária do perdão recíproco.
Perdão a mim mesmo pelas
angústias, mal-estares e dores que causei. Perdão a todos os que consciente ou inconscientemente
me atingiram. Perdoo-os a todos, insistentemente, e a mim mesmo, porque os
sentimentos negativos estão sempre prontos a uma recidiva.
Recentemente conjecturei que
muitas pessoas a quem magoei inconsciente ou de vontade ativa, podem não ter me
perdoado. Tento levar meu pensamento a elas, dizendo-lhes do meu auto perdão,
que se me indultarem será benéfico para elas.
Não pense o leitor que estou
fazendo uma arrumação na bagagem e descartando do que é muito pesado para
quando chegar do outro lado do Rio da Vida ser aceito e mandado para boas
acomodações. Nada disso!
O meu acerto é comigo mesmo, com
os meus irmãos de caminhada, com todos os seres da natureza, enquanto sou indivíduo
nesta vida, para mim única, sem subsequentes, sem títulos vencidos a pagar, com
ou sem juros, nos cartórios da eternidade. Para mim a conta tem que estar
zerada é agora!
A todos, com humildade, peço
perdão!
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges – Jul. 2022
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
"pra mim a conta tem q ser zerada agora" concordo - vamos embarcar sem débito ou crédito. Está arrumação da cabeça faz bem pra alma. ABS. Ronaldo carneiro
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