TODO DIA, EPOCLER
A sonoridade da palavra reverberou
no meu cérebro e mexeu com minhas recordações. No intervalo, fui ao google. O
Epocler corintiano era o mesmo da minha memória! Ligações neurais se fizeram e
retornei ao Epocler menos objeto de marketing, mas usado com a mesma
finalidade. Registre-se que são poucos os medicamentos com vida tão longa no
mercado.
Epocler é a fagulha para iniciar
esta crônica, por me estar forçando a lembrar de fatos, locais e
amigos-personagens que o desenrolar da vida afastou, alguns definitivamente,
como é o caso de Bizuca, Luiz Roberto Bozzano de Bragança, que nome! Que, ainda
bebê, sua irmã mais velha carinhosamente apelidou assim. A alcunha a ele se
incorporou completamente, com sua plena aceitação.
Nos distanciamos quando meu amigo
foi para Volta Redonda cursar Engenharia Metalúrgica e eu continuei em Niterói,
na Engenharia Civil. Com minha vinda para Brasília o contato se perdeu. O tenho
procurado pelas redes sociais, sem êxito.
Final dos 50, início dos 60, os
estudantes de engenharia e outros amigos nos reunimos aos sábados na praia de
Icaraí para uma pelada de futebol de areia, fizesse chuva, fizesse sol, quase
em frente ao hoje inexistente trampolim, característica, por longo tempo
daquela praia.
As partidas eram brutas, menos
hábeis em tratar a bola, mais duros com as jogadas. Eventualmente, nos dava uma
“canja”, Gerson Nunes, então promissor jogador iniciante do Flamengo, menina-dos-olhos
do técnico Fleitas Solich. O “Canhotinha”, que logo se tornou celebridade,
evitava pôr seus pés em divididas conosco, tinha razão. Ao longo dos anos vimos,
com alegria, os lances que, intactos, eles nos proporcionaram na seleção.
Niteroiense fiel, o “cara” que virou lenda “por querer levar vantagem em tudo”,
continua morador da aprazível cidade do índio Araribóia.
A areia quente fazia encerrar o
jogo. O caminho certo era o bar do Lúcio – algo entre bar e mercearia –, um
simpático português que nos abrigava, sem horário, com contas abertas, sem
cobranças. Às 13 ou 14 horas, estava começando a passagem do sábado para o
domingo de um grupo de talvez 30 rapazes que se iam revezando até a madrugada,
música eventual com os do violão e da voz, gente do convívio e do espaço de
Sérgio Mendes, do MPB4, de Marília Medalha. O calor da praia e a desidratação
do futebol, curava-se com brahma, que podia ser da Antarctica.
Cuba libres, vodcas geladas, gim
com tônicas, o primeiro whisky nacional Masion House, produzido pela Dreher (ninguém
tinha condição para os importados).
Quem tinha namorada, ia para casa
ao final da tarde para se preparar para o encontro: banho frio, café quente,
soneca, leite e chicletes para tirar o bafo do álcool.
Naquela época, as garotas tinham
que retornar a casa até 9h30, no máximo 10 horas. E o nosso herói retornava, lépido
e fagueiro, ao bar, na certeza de encontrar os amigos, alguns ainda em trajes
de praia. Bizuca no segundo Epocler, tivesse ficado, estivesse retornando.
Refúgio de improváveis boêmios, o
bar do Lúcio era tão acolhedor que ali esquecíamos das preocupações, do tempo e
dos compromissos, mesmo dos mais desejáveis. Com certeza, todos os
frequentadores se lembrarão do noivado do Chico Jaboringa. Por óbvios motivos,
o chamarei por essa identidade praiana.
Chico era o grande goleiro do
futebol oficial da praia, organizado pela Liga de Futebol de Areia, com jogos
noturnos e boa assistência. Sua atividade como professor de cursinho pré-vestibular
o tornara ídolo da juventude, da qual ele também fazia parte.
Num sábado ensolarado, Chico
aportou à praia, particularmente alegre, anunciando: hoje é meu noivado com
Jandira (nome fictício). Todos a conhecíamos, o namoro de nosso amigo era
curtido coletivamente. Jandira era uma moça simpática, alegre, amiga de todos e
os parabéns foram unânimes. O noivo logo anunciou: “Não vou poder convidar
vocês para a festa, então, hoje, no Lúcio, a cerveja corre por minha conta, só
a cerveja, hein!”
Noivado marcado para 8 horas,
família árabe, padrinhos de Jandira vindos de São Paulo para o evento, buffet
com requintes, champanhe legítimo para brindar o pedido da mão. Tudo pronto.
Bar do Lúcio, sábado, 21h30,
Chico feliz porque ia ficar noivo, mais que ligeiramente alcoolizado havia
perdido o controle das horas quando se deu conta delas. Pavor! Correu, mandou
um garoto chamar Jandira à porta, tentou explicar, ia se arrumar e voltar...
“Desapareça da minha frente,
nunca mais quero te ver. Irresponsável. Eu e minha família passamos a maior
vergonha das nossas vidas. Bêbado sem vergonha, suma daqui, agora”.
Nada como seis meses e muito
amor. Tudo se resolveu.
Há muitos anos, em uma visita de
Jandira e Chico a Brasília, com eles, Zélia e eu nos sentamos num bar, sem hora
marcada, falamos do passado e especulamos sobre o futuro. Foi a última vez que
nos vimos.
Não sei se é conveniente a
divulgação de Epocler para largo consumo, por ele apresentar contraindicações.
Para mim, Epocler teve efeito rejuvenescedor!
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges. Brasília – Set.2022
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Futebol na praia de Icaraí. Vc em frente trampolim eu em frente rua Miguel de frias. Muito próximos, como temos idades próximas, creio q nos cruzamos na adolescência. Tempos bons q não voltam mais. ABS amigo Danilo. Ronaldo carneiro
ResponderExcluirAcho que vem desde dessa época (mesmo sem lembrar) a admiração que sinto por você.
ExcluirDepois da praia ia tomar mineirinho na padaria da Miguel de frias
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