TODO DIA, EPOCLER

 



“Epocler” na camisa dos jogadores do Corinthians na semifinal de quinta-feira me chamou a atenção. De pronto, não entendi do que se tratava. Pelo final do primeiro tempo, lembrei: Epocler, era o nome do protetor hepático que meu amigo Bizuca tomava todas as vezes em que saíamos para beber! Seria a mesma coisa? Minha lembrança reportava-se há mais de 60 anos...

A sonoridade da palavra reverberou no meu cérebro e mexeu com minhas recordações. No intervalo, fui ao google. O Epocler corintiano era o mesmo da minha memória! Ligações neurais se fizeram e retornei ao Epocler menos objeto de marketing, mas usado com a mesma finalidade. Registre-se que são poucos os medicamentos com vida tão longa no mercado.

Epocler é a fagulha para iniciar esta crônica, por me estar forçando a lembrar de fatos, locais e amigos-personagens que o desenrolar da vida afastou, alguns definitivamente, como é o caso de Bizuca, Luiz Roberto Bozzano de Bragança, que nome! Que, ainda bebê, sua irmã mais velha carinhosamente apelidou assim. A alcunha a ele se incorporou completamente, com sua plena aceitação.

Nos distanciamos quando meu amigo foi para Volta Redonda cursar Engenharia Metalúrgica e eu continuei em Niterói, na Engenharia Civil. Com minha vinda para Brasília o contato se perdeu. O tenho procurado pelas redes sociais, sem êxito.

Final dos 50, início dos 60, os estudantes de engenharia e outros amigos nos reunimos aos sábados na praia de Icaraí para uma pelada de futebol de areia, fizesse chuva, fizesse sol, quase em frente ao hoje inexistente trampolim, característica, por longo tempo daquela praia.

As partidas eram brutas, menos hábeis em tratar a bola, mais duros com as jogadas. Eventualmente, nos dava uma “canja”, Gerson Nunes, então promissor jogador iniciante do Flamengo, menina-dos-olhos do técnico Fleitas Solich. O “Canhotinha”, que logo se tornou celebridade, evitava pôr seus pés em divididas conosco, tinha razão. Ao longo dos anos vimos, com alegria, os lances que, intactos, eles nos proporcionaram na seleção. Niteroiense fiel, o “cara” que virou lenda “por querer levar vantagem em tudo”, continua morador da aprazível cidade do índio Araribóia. 

A areia quente fazia encerrar o jogo. O caminho certo era o bar do Lúcio – algo entre bar e mercearia –, um simpático português que nos abrigava, sem horário, com contas abertas, sem cobranças. Às 13 ou 14 horas, estava começando a passagem do sábado para o domingo de um grupo de talvez 30 rapazes que se iam revezando até a madrugada, música eventual com os do violão e da voz, gente do convívio e do espaço de Sérgio Mendes, do MPB4, de Marília Medalha. O calor da praia e a desidratação do futebol, curava-se com brahma, que podia ser da Antarctica.

Cuba libres, vodcas geladas, gim com tônicas, o primeiro whisky nacional Masion House, produzido pela Dreher (ninguém tinha condição para os importados).

Quem tinha namorada, ia para casa ao final da tarde para se preparar para o encontro: banho frio, café quente, soneca, leite e chicletes para tirar o bafo do álcool.

Naquela época, as garotas tinham que retornar a casa até 9h30, no máximo 10 horas. E o nosso herói retornava, lépido e fagueiro, ao bar, na certeza de encontrar os amigos, alguns ainda em trajes de praia. Bizuca no segundo Epocler, tivesse ficado, estivesse retornando.

Refúgio de improváveis boêmios, o bar do Lúcio era tão acolhedor que ali esquecíamos das preocupações, do tempo e dos compromissos, mesmo dos mais desejáveis. Com certeza, todos os frequentadores se lembrarão do noivado do Chico Jaboringa. Por óbvios motivos, o chamarei por essa identidade praiana.

Chico era o grande goleiro do futebol oficial da praia, organizado pela Liga de Futebol de Areia, com jogos noturnos e boa assistência. Sua atividade como professor de cursinho pré-vestibular o tornara ídolo da juventude, da qual ele também fazia parte.

Num sábado ensolarado, Chico aportou à praia, particularmente alegre, anunciando: hoje é meu noivado com Jandira (nome fictício). Todos a conhecíamos, o namoro de nosso amigo era curtido coletivamente. Jandira era uma moça simpática, alegre, amiga de todos e os parabéns foram unânimes. O noivo logo anunciou: “Não vou poder convidar vocês para a festa, então, hoje, no Lúcio, a cerveja corre por minha conta, só a cerveja, hein!”

Noivado marcado para 8 horas, família árabe, padrinhos de Jandira vindos de São Paulo para o evento, buffet com requintes, champanhe legítimo para brindar o pedido da mão. Tudo pronto.

Bar do Lúcio, sábado, 21h30, Chico feliz porque ia ficar noivo, mais que ligeiramente alcoolizado havia perdido o controle das horas quando se deu conta delas. Pavor! Correu, mandou um garoto chamar Jandira à porta, tentou explicar, ia se arrumar e voltar...

“Desapareça da minha frente, nunca mais quero te ver. Irresponsável. Eu e minha família passamos a maior vergonha das nossas vidas. Bêbado sem vergonha, suma daqui, agora”.

Nada como seis meses e muito amor. Tudo se resolveu.

Há muitos anos, em uma visita de Jandira e Chico a Brasília, com eles, Zélia e eu nos sentamos num bar, sem hora marcada, falamos do passado e especulamos sobre o futuro. Foi a última vez que nos vimos.

Não sei se é conveniente a divulgação de Epocler para largo consumo, por ele apresentar contraindicações. Para mim, Epocler teve efeito rejuvenescedor!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Set.2022

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA

 


Comentários

  1. Futebol na praia de Icaraí. Vc em frente trampolim eu em frente rua Miguel de frias. Muito próximos, como temos idades próximas, creio q nos cruzamos na adolescência. Tempos bons q não voltam mais. ABS amigo Danilo. Ronaldo carneiro

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    1. Acho que vem desde dessa época (mesmo sem lembrar) a admiração que sinto por você.

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  2. Depois da praia ia tomar mineirinho na padaria da Miguel de frias

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