UnB 77

 


Acabei de receber pelo WhatsApp mensagem com fotos e vídeos de um grupo de amigos engenheiros, gozando as delícias do litoral paraibano, e, confesso, abandonei o esboço do texto que iniciara para a crônica semanal, por ser levado inapelavelmente a antigas e irrecusáveis memórias.

O título desta crônica pode, num primeiro momento, trazer à lembrança dos que viviam o cotidiano da Universidade de Brasília, em 1977, amargas lembranças. Greve duradoura, demissões, jubilamento, polícia circulando pelo campus, interpelando alunos, professores, funcionários. Clima pesado, que parecia que não teria fim!

Um grupo de estudantes de engenharia civil, no entanto, estava aparentemente em reunião permanente no SG-12, um prédio da Faculdade de Tecnologia, para uso do Departamento de Engenharia Civil. Não era como se poderia pensar atividade política, os formandos daquele semestre, envolvidos com o exigente compromisso da entrega do Projeto Final, condição indispensável para se formarem, continuavam, ali, seus trabalhos com afinco, sucedendo-se em pequenos grupos de dois – dia e noite – e pelo que presenciei e participei, os professores “grevistas” a lhes prestar as orientações necessárias, sem interrupções.

Não sei se o que relatei tem a ver com a continuidade do que virá nesta crônica. Mas devido a singularidade do fato é bem possível que sim! O que quero dizer é que circunstâncias de insegurança, de pressão psicológica, de trabalho intenso sem um prazo terminal, criam laços, irmandades.

Neste 2022, a Turma de Engenheiros Civis - UnB 1977 completa 45 anos de formatura, e durante este quase meio século não deixou um só ano de se reunir festivamente para comemorar o aniversário do evento. Sei de outras turmas que fazem isso, poucas por tanto tempo. Os componentes da “UnB 77” mantêm-se em comunicação quase diária, e já o faziam mesmo antes das facilidades das redes sociais.

De tempos em tempos, o encontro se dá em Brasília, na própria Universidade, com almoço no Bandejão e palestra em um dos velhos anfiteatros do Minhocão, para recriar o clima da juventude, que, apesar do que apregoam, nada tem de irresponsável. Na maioria, são escolhidos locais de apelo turístico, e duram alguns dias. Aos participantes, acompanhados dos respectivos cônjuges, são disponibilizados programas agradabilíssimos, informais, previamente programados por um ou dois dos participantes do grupo que assumem o encargo da organização no encontro anterior. Esses engenheiros, elas e eles, estão espalhados pelo país, alguns eventualmente no exterior, mas sempre fazem o possível para estar presentes.

Tenho tido o privilégio, como também outros ex-professores, de ser convidado para integrar a trupe, se não a todos, a um grande número desses encontros. Nos que se realizam em Brasília, não falto a nenhum. Nesses, solicitam a um de nós, para dar a famosa “aula da saudade”, na qual um velho mestre os faz relembrar os tempos de suas juventudes na instituição.

Fora daqui, não sou tão frequente, principalmente agora, que a idade já começa a me impor limites. A formalidade das relações aluno-professor que nunca foram estritamente cultivadas, hoje em que todos somos ex, passamos a colegas, parceiros e amigos em situações outras além do grupo é que não fazem mesmo sentido.

Participo com interesse do eclético grupo de WhatsApp, UnB77, que, verifiquei hoje, conta com 69 participantes, o mais movimentado de todos os que frequento.

Nesta semana, está sendo realizado o encontro deste ano, em João Pessoa. Convidado, declinei penalizado do convite, por estar fazendo agora, em regime de urgência, os reparos que os dois anos da pandemia me impediram de realizar, as manutenções necessárias a este modelo 1941.

Os vídeos e fotos postados no grupo, mostrando flagrantes da confraternização em João Pessoa, dão inveja, da boa, e arrependimento por não ter ido, além da recriminação de Zélia, que curte o convívio com a “garotada”.

Agora pensem comigo na estupefação do pessoal de atendimento dos hotéis onde se hospeda o grupo, reservado para “ engenheiras e engenheiros e respectivos maridos e esposas para uma confraternização, idade média entre 68 e 71 anos” , cálculo feito a partir da provável ideia de que engenheiros formam-se entre 23 e 26 anos, ao se depararem com um descontraído grupo, no qual se tratam, uns aos outros como se fossem universitários, usando os nomes de guerra e fazendo chistes, antigos é verdade, mas que dizem muito entre eles.

Aos jovens de hoje é ensinado que devem, desde logo, irem formando suas redes de relacionamentos, as chamadas networkings, úteis no mundo utilitário e imediatista atual: objetivos negociais de mão dupla. Nada contra, se o jogo é esse, o que cabe é jogar bem!

Esta crônica está focada em outro tipo de experiência. A maior parte das nossas amizades são construídas na juventude. Eu sugiro aos estudantes universitários atuais que procurem criar com seus companheiros grupos de amigos de fé, irmandades de compreensão e de carinho – tal como o pessoal da UnB 77 fez há 45 anos –-, sem interesses imediatos e plantados na intemporalidade. A hora é a da juventude, não surgirão outras, depois algo endurece nas fibras dos nossos corações e nada será do mesmo jeito!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Out. 2022

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA

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