EDSON MORREU. PELÉ É IMORTAL
Danilo Sili Borges
Peço licença aos leitores
destas Crônicas da Madrugada para republicar um texto de maio de 2021, sobre
Pelé.
Dentre as características dos
brasileiros está a de ser iconoclasta. Sempre encontramos um jeito de
desvalorizar as nossas personalidades, aos compatriotas que por ações heroicas
ou por seus dotes pessoais e artísticos se notabilizaram. Nenhum, no entanto,
foi mais atingido que Pelé, pelo patrulhamento ideológico que visava impor-lhe
condutas com as quais ele não concordava, ou, provavelmente, por serem temas
fora das suas intensas atividades cotidianas. Pelé, mesmo quando ocupou o cargo
de Ministro dos Esportes, não se envolveu com a política ideológica e
partidária, reservando suas ações para os temas de interesse dos atletas
profissionais.
A imprensa, que em grande
parte comunga da insana disputa política e partidária que infelicita o país,
sem ter do que falar mal do homem e do atleta, sempre humilde e digno, o
condenou ao exílio em sua própria terra, por meio de uma estudada cortina de
silêncio.
Com sua morte, as matérias
previamente preparadas, tomaram as telas das TVs e as primeiras páginas dos
jornais. Obrigação e faturamento.
----------------------
O HERÓI BRASILEIRO
Maio 2021
Assisti e recomendo que assistam
o documentário “PELÉ”, produzido pela Netflix. O registro da vida do maior
ídolo do futebol será de importância para as novas gerações, se estas forem
capazes de situá-lo no contexto do Brasil daquela época. Começamos a ser poucos
os que tivemos o privilégio de viver o tempo de Pelé, da Bossa Nova, de
Juscelino e da saga da arrancada para o oeste. É importante que a crença que
incendiou esta terra, que nos dava a certeza da nossa capacidade de enfrentar e
vencer desafios, não se apague de todo. Ainda existem focos não eliminados das
chamas do sadio amor à pátria a espera do sopro de virtudes após tanto tempo do
constante vilipêndio dos autoritários, dos incompetentes e dos
mal-intencionados.
O documentário mostra um rei
digno, como sempre autêntico, firme em suas opiniões, lúcido em suas
lembranças, honesto e emocionado, indo muitas vezes às lágrimas e nos levando
junto com ele. Pelé não se pinta de perfeito, mas se mostra como é.
Temos, Pelé e eu, a mesma idade
e, como ele relata no início do filme, também sofri aos 9 anos, com a derrota
para o Uruguai na Copa de 50, que ouvimos pelo rádio, ele em Três Corações, eu
em Niterói. Choramos o mesmo choro, éramos irmãos vira-latas.
Do que vivi e do que li da nossa
história, desconheço quem tenha feito mais para tornar este país conhecido,
respeitado e tendo uma imagem pública positiva, simpática e carinhosamente
recebida por todo o planeta do que Pelé. Todos somos seus devedores. Os que têm
queimado nosso filme como nação civilizada lhe devem desculpas.
Garoto bom de bola, filho de
Dondinho, nos apontamentos da professora do Grupo era Edson Arantes do
Nascimento, mas que nas peladas dos terrenos baldios já o chamavam de Pelé, sem
desconfiar que tinham criado uma das mais valiosas marcas comerciais do mundo.
Quatro letras fáceis de pronunciar em qualquer idioma, que iriam se referir a
um atleta, negro, simpático, íntegro, que simbolizava sua terra, seu povo que
estava construindo uma civilização nova, com vigor, solidariedade, ritmo e
alegria.
Todos os que procuravam fama e
aparecer na mídia e na política queriam ter alguns segundos ao seu lado.
Simples, nunca deu os faniquitos dos ídolos atuais. Os alvos dentes sempre
estiveram presentes no sorriso constante na simpática face junto aos fãs. Pelé era,
e é, autêntico. Era um artista fora de série, o melhor já visto na sua arte,
como um Picasso era na dele. Não devia nada a ninguém por ser o que era, nem a
si próprio, suas qualidades eram inatas.
Aos 14 anos, foi para o Santos
FC, jogador de tempo integral, aos 17 era Campeão do Mundo, ídolo,
personalidade mundial, rei.
Famoso, começam as cobranças
sobre o jovem fenômeno. Se uns queriam aparecer em sua companhia, grupos de
orientação política, por vezes extremadas, pretendiam aliciá-lo. A pressão sobre
ele se instalou e se intensificou.
Tendências políticas começaram a
exigir de Pelé posicionamento para os quais ele não tinha preparo, nem
interesse. Seu foco era o futebol. As intensas solicitações ao ídolo mundial
não lhe deram tempo para reflexões políticas e ideológicas, mas o patrulhamento
quis se aproveitar de sua popularidade para inflar suas bandeiras e, não o
conseguindo, procuraram queimar sua popularidade desde então e, como vingança,
até hoje.
Algo semelhante tem sido o
procedimento dos grupos de afirmação dos direitos dos negros, ao lutarem, com
justos motivos, contra a discriminação racial e por iguais oportunidades.
Pretendiam um engajamento explícito do ídolo de sua etnia. Decisões pessoais
nem sempre são bem aceitas por esses movimentos. E Pelé tem sido criticado
duramente por não se deixar usar como estandarte nessas reivindicações.
O idolatrado personagem,
possivelmente, nunca se sentiu discriminado. Sua popularidade precoce o colocou
em situação tal que o livrou de agressões comuns nos estádios. Certamente nunca
lhe atiraram bananas em campos europeus. A majestade contava.
Recebido por presidentes, reis de
verdade, líderes religiosos, Pelé nunca assumiu posições dogmáticas, ou porque
não as tinha, ou porque exerceu seu direito legítimo de não publicizá-las.
Muitos dos que se intitulam
líderes democráticos são patrulhadores extremistas que querem impor aos outros
que se alinhem às suas fileiras e rezem seu credo, engolem no máximo o mundo
binário, “nós e eles”, onde não há lugar para quem tenha cabeça que pense
livremente.
No passado remoto, quando a
ciência provou que a Terra girava em torno do Sol e que não era o centro do
Universo, a ciência se desdisse para não morrer na fogueira.
Nos credos mais recentes quem
discordou foi para a Sibéria. Ainda hoje, é prisão ou ir à nado para a Flórida.
Por ser recente, é possível
sentir-se o mau cheiro da supremacia branca do governo Trump. Algo pior que o
macartismo dos anos 50.
A estupidez é múltipla e fértil,
e continua a se reproduzir aqui, lá e acolá. Ela vitimou Pelé, procurando
apagá-lo ou torná-lo pequeno na memória nacional. Radicais inflam personalidades até de pouco
valor que se sujeitem a se declarar suas adeptas e queimam as que os ignoram.
“A
discrição do homem o faz tardio em se irar; e sua glória está em esquecer
ofensas” Provérbios 19:11
Danilo Sili Borges
Crônicas da Madrugada. Brasília –
Dez.2022
Danilo Sili Borges
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília
danilosiliborges@gmail.com
Texto atual até hoje. Destaco por concordar e por oportuno - Por ser recente, é possível sentir-se o mau cheiro da supremacia branca do governo Trump. Algo pior que o macartismo dos anos 50. Muita paz, saúde e harmonia a todos em 2023 em especial pro Danilo q continue a nós brindar com sua sabedoria acumulada por anos de experiência bem vividos. Ronaldo carneiro
ResponderExcluir