SUSTENTABILIDADE E CREDIBILIDADE
Colocar um verbete numa
enciclopédia, ou uma palavra nova nos dicionários, não é tarefa para qualquer
um, principalmente se for da língua portuguesa que tem catalogados mais de 600
mil termos.
Luís Felipe de Albuquerque
conseguiu. É verdade que não intencionalmente, no início dos anos 1950, no Rio
de Janeiro. A nova palavra faz menção ao seu prenome, Felipe, para marcar para
sempre, por registro em publicações de referência, como alguém sabendo
manipular os conceitos de SUSTENTABILIDADE E CREDIBILIDADE é capaz de fazer com
que muitos desempenhem o papel de otário, isto mesmo, aquele a quem o
estelionatário deixa com o “mico” na mão.
Entre, o
leitor, em qualquer dicionário de português, pode ser o excelente Infopédia,
publicado em Portugal, e procure por “FILIPETA”. Vou adiantar para poupar o
trabalho: “Folheto promocional ou
publicitário”. Nome que originalmente foi atribuído a um título de crédito sem
valor e que com o tempo passou aos impressos descartáveis distribuídos nas
ruas. Análise ligeira, mostra-nos que
ela é composta por FILI de Felipe e PETA, que significa mentira, engano. O
termo foi cunhado pelos cariocas ao perceberem que as promissórias assinadas
por Luís Felipe já não eram honradas pelo emitente. Eram tantas, e tantos os otários,
que aquele papel foi batizado como filipeta e daí chegou aos dicionários.
Apenas um caso de pirâmide financeira. Felipe pousava de rico
e fazia circular, de boca em boca, que tinha um sócio oculto, diretor de
importante banco. O esquema era simples, Felipe comprava automóveis e imóveis,
pagava a prazo, mediante entrada e o restante em promissórias. Era fácil
negociar com ele, que não regateava preços. Os documentos de crédito que emitia
eram pagos religiosamente no vencimento, credibilidade era a base do seu
negócio. Os recursos, notem bem, para seus pagamentos, ele conseguia vendendo à
vista os bens que havia adquirido a prazo, por valor menor do que se comprometera
a pagar. Operando sobre grande número de transações, ele garantia a liquidez do
seu crescente esquema... e aumentava, é claro, seus compromissos, seu passivo a
descoberto.
O sistema comercial era instável e chegaria o dia em que
ruiria, quando parassem as operações de compra e venda. Então, os recursos em suas
mãos seriam insuficientes para quitar os títulos emitidos e nem ele tinha
intenção de fazê-lo. Era a hora do “pinote”, na qual o nosso herói desapareceria
com a grana correspondente a um bom percentual do valor global dos títulos que
circulavam na praça fluminense e que a partir daquele momento nada mais
valeriam.
Antes do Dia D, houve a denúncia. Felipe foi preso e
condenado (por pouco tempo). Não sei se conseguiu manter parte do resultado do trambique,
ou se gastou tudo na própria defesa, mas isso não importa para a continuidade
desta crônica.
Sustentabilidade é palavra constante na mídia, referindo-se
ao meio ambiente, ou a outros sistemas, como por exemplo o econômico e o
político. Sustentabilidade é o fator chave da credibilidade de qualquer sistema.
Nós, ao fazermos avaliações nos negócios, na escolha dos nossos mandatários, para
trocarmos do emprego por outro, com melhor remuneração, em qualquer decisão, sempre
investigamos se o nosso parceiro ou contraparte tem credibilidade.
Felipe montou, como todos os que lançam pirâmides
financeiras, um sistema que tinha credibilidade... – ele honrou rigorosamente
seus compromissos, até a hora do pinote. Ele soube manter a sustentabilidade do
seu negócio, garantindo meios para pagar em dia, seus compromissos.
Qualquer sistema só merece credibilidade, enquanto for previsivelmente
sustentável. Entra aí o fator tempo, expresso pela palavra enquanto. Nas
análises de oportunidade, três parâmetros devem ser aferidos: credibilidade,
sustentabilidade e tempo, sendo o primeiro dependente dos outros.
Felipe, um estelionatário, manteve a credibilidade do
negócio, garantindo-o sustentável por um tempo pré-determinado, depois outros
ficaram com o “mico”.
São muitas as possibilidades de manipulação desses fatores em
outros sistemas, além do financeiro. O político-administrativo, por exemplo.
Imaginemos, só para raciocinar, que o presidente de um país
consiga gastar, em atendimento social à população, ilimitadamente, sem respeitar
o orçamento elaborado para manter sob controle o equilíbrio das contas
públicas. Com recursos ilimitados, ele mete “o pé na jaca” e assume posições
simpáticas frente à população e terá altos índices de popularidade, que é a credibilidade
na política, enquanto o temerário sistema for sustentável.
Você, meu amigo, com despesas além do que ganha, terá que recorrer
a empréstimos. O governo também! Gastando mais do que arrecada com os tributos,
terá que emitir títulos de crédito (como fez o Felipe), ou emitir moeda, o que
gera inflação – outra forma de nos fazer pagar por despesas comprometendo o
equilíbrio fiscal, ou ainda aumentando impostos.
Consequências: juros altos, problemas cambiais, desemprego. Mas
nem tudo está perdido para esse gestor, se ele souber manipular bem o fator credibilidade,
via artifícios de sustentabilidade de curto prazo, como controlar preços
artificialmente, então o sistema será levado a ruir na mão do seu sucessor.
Nessa história, o “mico”, as filipetas de emissão
governamental ficarão nas mãos do povo que levará, talvez, décadas para as
quitar.
Você já viu esse filme? Mensalmente há um lembrete dele na
sua conta de energia!
Crônicas da Madrugada. Brasília –
Jan. 2023
Danilo Sili Borges
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL
BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília
danilosiliborges@gmail.com
Ainda bem que não corremos, nos próximos 4 anos, o risco das Filipetas. Nós, os brasileiros, pagaremos a herança do desgoverno, nas uma vez quitadas as dívidas, seguiremos felizes e soberanos. Afinal, agora, o Brasil é nosso.
ResponderExcluirDanilo - oportuno seu texto, mostra a irresponsabilidade dos políticos interferindo na economia. Madoff nos usa fez isto e deu um rombo de 64 bi de dólares em milhares de sonhadores. Solução e reduzir os recursos financeiros ao alcance de políticos e burocratas. Governo na economia e sempre um desastre. Pacto social e a solução. Abs. Ronaldo carneiro
ResponderExcluirNão por acaso, o autor de "O Debate sobre o Caráter Socioeconômico do Sistema Soviético", já está à procura da pedra filosofal!
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