É TÓXICO E VAZOU

 


Danilo Sili Borges

A alta toxidez do ambiente, que há anos envenena a sociedade nacional, nos obriga ao uso de máscaras mentais para podermos sobreviver aos eflúvios que emanam daquela Praça e nos dificulta a dar a devida atenção ao perigo concreto de fatos como o que poderia ter atingido a população da cidade de Angra do Reis e arredores, onde estão instaladas as usinas nucleares Angra1 e Angra2.

Longe de mim estar levantando hipótese alarmista em relação às duas usinas termonucleares que há décadas vêm prestando contribuição à matriz energética brasileira com aproximadamente 3% de energia limpa e renovável. O que me traz a esta crônica é o fato divulgado pela mídia esta semana, sobre um vazamento de água radioativa em Angra1, em setembro do ano passado e mantido sob os panos escuros do sigilo até recentemente.

A empresa estatal Eletronuclear, administradora da usina, contrariando os protocolos de segurança ambiental, não deu publicidade ao acidente, procurando mantê-lo intramuros, o que não foi completamente possível devido à denúncia anônima ao INEA, órgão estadual de meio ambiente.

Claro que usinas nucleares apresentam risco. Estão registrados em nossa memória os casos extremos de Chernobyl, de Fukushima, Three Mile Island e outros para comprovar. Como velho engenheiro, não hesito em afirmar que não existe obra humana 100% segura. Talvez nenhum setor cuide mais da segurança que a indústria aeronáutica e, ainda assim, eventualmente, temos que lamentar perdas de centenas de vidas em acidentes aéreos. Até mesmo nas criações produzidas, a infinita sabedoria universal comete seus desvios, expondo suas fragilidades, por exemplo, nos defeitos congênitos que surgem em todas as manifestações da vida, e que estatisticamente até nos é dado quantificar.

Em 16 de setembro de 2022, na “operação de rotina de recirculação de água de operação, ocorreu a falha de uma válvula de isolamento, propiciando a liberação de um volume de água para o canal de descarga da usina, estimado em no máximo, 90 litros”. Disse, então a CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear. O IBAMA, na mesma ocasião, “confirma (que) o vazamento, teria sido provocado por degradação (corrosão) do sistema de contenção de vazamento”.

Para o Ministério Público Federal há evidências de que “teria havido tentativa de esconder o vazamento”. A empresa inicialmente negou o fato, depois o classificou como “incidente operacional”, para mitigar seu procedimento fora das regras de segurança.

Durante longo tempo, informações de grande interesse foram omitidas da população, inclusive do prefeito de Angra dos Reis que se manifestou sobre isso.

Incidentes e acidentes ocorrem. É dever dos responsáveis cercar os empreendimentos dos cuidados técnicos disponíveis para restringi-los ao inevitável, cumprindo, ao pé-da-letra, as determinações normativas.

Cabe a pergunta. O Brasil necessita de usinas termonucleares, para compor sua matriz energética?

Vamos a um pouquinho de história. Em 1975, o Brasil assinou com a Alemanha Federal (na época a Alemanha estava dividida), um tratado para o desenvolvimento de energia nuclear no Brasil, que previa transferência de tecnologia e a construção de oito usinas por empresa daquele país. Pelo acordo o Brasil chegaria a receber a tecnologia de enriquecimento do urânio, combustível para as usinas (e meio do caminho para a produção de bombas atômicas). O projeto recebeu forte oposição dos Estados Unidos. O como enriquecer o urânio não chegou a nos ser repassado, mas acabou sendo desenvolvido pela capacidade dos nossos técnicos, tornando possível que produzíssemos aqui o combustível das usinas. Das oito projetadas, foram construídas apenas as duas usinas, Angra1 e Angra2, estando Angra3 com previsão de entrar em funcionamento em 2028.

Em toda essa etapa, o Brasil negou-se a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, por entender que isso o manteria afastado dos desenvolvimentos da tecnologia atômica, só o fazendo, em 1998, no governo de Fernando Henrique, provavelmente por pressão estrangeira.

Nosso país tem hoje o domínio integral do conhecimento da produção da energia atômica, da mineração ao enriquecimento do urânio, em nível de combustível para suas usinas. Supõe-se que até para a fabricação da bomba atômica.

Dentro do mesmo tema, há mais de cinco décadas, a nossa Marinha tem o projeto da construção do submarino nuclear, não tendo alcançado êxito até agora. Equipamento importante para patrulhamento e defesa da nossa costa de 8 mil km, que merece ter o apoio público, afinal é para garantia da nossa soberania.

Em conclusão, as usinas na realidade não são fundamentais como produtoras de energia, nosso país tem potencial de crescer sua matriz energética durante muito tempo sem ter que utilizar essa tecnologia que gera energia bem mais cara que os processos que nos são disponíveis, mas é importante tê-las como meio de conhecimento, atualização e desenvolvimento tecnológico.

Crônicas da Madrugada

Brasília, março, 2023

Danilo Sili Borges

Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA

Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília

danilosiliborges@gmail.com


Comentários

  1. Perfeito, melhor não brincar c fogo, usar fogo só p desenvolvimento de tecnologia. Sol e vento são energias naturais. Abs

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