O TREM QUE VAI E VOLTA
Danilo Sili Borges
Pelo que me lembro, a primeira
ideia de dotar o país de um trem-bala foi a do saudoso governador Roriz, que
chegou a divulgar seu plano de ligar Brasília a Goiânia com um trem de alta
velocidade, com algumas paradas entre as duas cidades.
O moderno veículo garantiria ao
político das duas unidades federativas não só a popularidade lá e cá, como,
também, deve ter passado pela sua cabeça um lampejo de vaidade: TAV Brasília-
Goiânia, para sempre, Ferrovia Joaquim Roriz.
Não pretendo dizer que houve
cópia da ideia, mas logo depois, o governo federal, então presidido por Lula, falou
em unir por um veículo com as mesmas características os dois centros mais
populosos do país, Rio e São Paulo. Desta vez a coisa foi mesmo a sério. Foi
criada uma estatal, a EPL – Empresa de Planejamento e Logística SA –, para
comandar o importante empreendimento. O trem (no sentido mineiro) não andou,
mas a empresa ficou e no governo passado foi incorporada à VALEC, outra estatal
também do setor ferroviário.
Antes de continuar, quero
declarar que como engenheiro e como cidadão, acredito nos grandes
empreendimentos públicos como catalizadores do desenvolvimento econômico e
social do país. Claro que não é qualquer empreendimento, mas os que tenham
viabilidade econômica e que se inscrevam como prioritários na lista das muitas
carências da infraestrutura nacional.
Na época, as primeiras notícias
davam conta da pesquisa por uma ferrovia moderna que comissões do governo
faziam, visitando empresas do exterior que construíram e administravam esses
maravilhosos equipamentos interurbanos. Até já haviam, preliminarmente, sido mantidos
entendimentos com a Trenitalia, estatal italiana com experiência no setor.
Com o fracasso econômico do
governo Dilma, sucedido pelo impeachment, o trem-bala foi e ficou parado no
tempo. Tempo de contenções e equilíbrio fiscal. Agora a imprensa começa a
repercutir e ampliar o apito do trem, que começou seu retorno numa espécie de
entrelinhas. A causa foi a outorga, em 22 de fevereiro de 2023, pela ANTT –
Agência Nacional de Transporte Terrestre – à empresa TAV BRASIL, criada em 2021
com capital social de 100 mil reais, para “a construção e exploração de estrada
de ferro entre São Paulo e o Rio de Janeiro pelo prazo de 99 anos...”. Analistas
ainda estão procurando entender o ocorrido!
Os custos estimados, estão na
casa das dezenas de bilhões de dólares – segundo informações a serem custeados
totalmente pela iniciativa privada. Trem rodando mesmo, previsto só para o longínquo
2032.
Sou “gato escaldado”, e já me
acostumei a iniciativa privada dizer que banca um empreendimento, mas o realiza
com empréstimos feitos pelo BNDES, a juros altamente subsidiados. Moral da
história, andemos ou não no nosso TAV, nós é que vamos pagar a conta. Ainda
assim é melhor que seja construído aqui do que em Havana ou Caracas.
Duas perguntas devem ser
respondidas inicialmente pelos proponentes da requentada iniciativa. Primeira:
O TAV corresponde a uma necessidade real de ligação entre as duas metrópoles?
Há alternativas ferroviárias mais adequadas, por exemplo, também poderem
atender a demandas de cargas, além de passageiros, da região, com comboios de
média velocidade? Com certeza estudos de viabilidade, conduzidos por equipes
sem interesses predeterminados poderão esclarecer.
Sigo agora refletindo como
engenheiro, professor de engenharia, ex-administrador de IES e eventualmente
servindo em assessorias governamentais, com o handicap que a vida me está
proporcionando de ainda estar por aqui, com alguma lucidez, para fazer uma
sugestão aos que cabem dar continuidade ao encaminhamento da construção da
Ferrovia São Paulo-Rio, ou vice-versa, para não ferir bairrismos.
A contratação em qualquer dos
países que já dispõe desse serviço, nos conduzirá a compra de um projeto, cuja
tecnologia, em princípio, tem 30 anos (tempo em que esses trens foram
originalmente implantados na origem), eventuais adaptações são perfunctórias e
sempre propiciando aquisições nos seus mercados. Falando claramente, a compra
do projeto e mesmo da construção por empresa estrangeiras, não deixará nada em
termos de desenvolvimento tecnológico para o Brasil. Vamos acreditar na prata
da casa, na nossa engenharia. A dos irmãos Rebouças, do Barão de Mauá, de Paulo
de Frontin. Pioneiros das ferrovias no Brasil, compensa conhecer suas
histórias.
Construir ferrovias, nossa
engenharia domina desde o século XIX, as adaptações de materiais, controles,
máquinas e tantas outras particularidades serão descobertas pelos nossos mestres
e doutores nos laboratórios das nossas universidades.
A condução de um projeto deste
tipo deixará conhecimentos e treinamento em P&D que serão aproveitados em
outras situações. Só se aprende fazendo.
Alguém, tenho certeza,
argumentará: “isso é reinventar a roda”.
Eu respondo: – Com certeza! Uma
das maneiras de se apropriar dos conhecimentos tecnológicos, antes mesmo de ser
capaz de gerá-los originais, é praticar a reengenharia, e é isso o que estou propondo
para o caso do trem-bala. Japão, Coreia, China fizeram e ainda fazem isso para
montar seus parques industriais.
Assim teremos um projeto mais
barato, mais moderno, mais adequado às nossas realidades. Se houver algum “pulo
do gato”, o que eu não acredito, contrate-se consultores internacionais que
assessorarão nossas equipes quando necessário. São serviços à venda no mercado!
Mais importante que um trem moderníssimo
(que aguardamos nas gares do país há tanto tempo) é o desenvolvimento de
equipes de pesquisa e projeto. Competência o país tem, precisamos é de dar-lhe oportunidade!
Crônicas da
Madrugada
Brasília, março
de 2023
Danilo
Sili Borges
danilosiliborges@gmail.com
Membro
da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLA
Diretor
de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília
Perfeito: "Moral da história, andemos ou não no nosso TAV, nós é que vamos pagar a conta. Ainda assim é melhor que seja construído aqui do que em Havana ou Caracas."
ResponderExcluirDesenvolver tecnologia deve ser o foco como sugerido. Iniciativa privada e muito mais competente q governo. Palavra de político vale nada!!!!!
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