AS INTENÇÕES DE ANO NOVO
Por Danilo Sili Borges
Não sei se você é assim: Dizem
que a maior parte das pessoas, nestes primeiros dias do ano, se enche de boas
intenções e faz listas dos objetivos que pretende alcançar ao longo dos
próximos doze meses. Eu sou um desses.
Como pessoa razoavelmente
organizada, antes mesmo das poderosas agendas eletrônicas que adotei, me
acostumei a ter sobre a mesa um caderno, desses espiralados, grande, 400
folhas, multimatérias, que funciona como minha memória auxiliar, meu arquivo de
intenções e de ideias malucas – e eu as tenho em profusão. Nele despejo
frustrações mal digeridas, pecados com contas não saldadas, perdões ainda não
pedidos ou não concedidos. Não estaria errado se considerasse meu cadernão como
uma espécie de confidente, o de melhor tipo, o que não se manifesta. Claro,
como rotina, ele é minha agenda de curto e longo prazo. Pela variedade dos
registros, ele é prosaico e, até certo ponto, cômico.
Nele anoto, por exemplo, dicas de
culinária e receitas com as quais tropeço na internet e que possam interessar
ao meu hobby: fogão e panelas. Vez por outra, encontro sugestões para as Crônicas
da Madrugada em pés de página feitas semanas antes no que seria uma espécie de
borrão se não fosse bem cuidado, com os assuntos postos ordenadamente. Logo nas
primeiras horas da manhã, organizo a minha agenda, na realidade arrumando minha
cabeça um tanto voadora: primeiros compromissos com hora marcada; depois os
considerados urgentes e importantes. Isso é uma espécie de liturgia, talvez um TOC,
jeitinho moderno do que se chamava mania.
Não preciso dizer que organizo
cada mês com os mesmos requintes. Tudo no meu cadernão, o que me leva a ser
motivo de gozação em casa. A menos cáustica delas é a que diz que faço as
listas dos eventos para esquecê-los em ordem. Eu não ia confessar, mas vou: Aos
domingos, após a postagem da crônica, componho a programação da semana
entrante.
Como faço anualmente, programei
os eventos do ano que se estava para iniciar. Dediquei-me a prever fatos e
atitudes a tomar em 2020. Segui com prioridade os eventos que têm datas fatais:
declaração do imposto de renda; em abril, realizar o exame pedido pelo
cardiologista; maio, checkup semestral com a endocrinologista; ainda em maio,
provar que continuo vivo, para que a aposentadoria não seja suspensa. Tudo isso
está programado na agenda do celular, mas nada se compara, em confiança, ao
cadernão.
A extensa lista de resoluções
contempla fechar a boca para manter o peso próximo aos 72 kg; ler, pelo menos,
10 livros; fazer uma viagem para um lugar desconhecido; caminhar cinco dias por
semana; meditar duas vezes por dia, como faço há 48 anos. Escrever e publicar
as Crônicas da Madrugada aos domingos.
Ao concluir a lista para 2020,
resolvi cotejá-la com a que havia feito em 30 de dezembro de 2018, com validade
para o finado 2019, esta também devidamente registrada no cadernão. Sem
surpresas verifiquei que as coincidências eram enormes. O tempo passou. Metas e
objetivos de vida é que não. Muitos porque não consegui realizá-los, por razões
diversas – otimismo exagerado, falta de empenho –, outros por serem
permanentes, para toda a vida, como os que se referem a aperfeiçoamento em
características de temperamento.
Não tenho lembrança de ter
descartado qualquer dos meus cadernões. Não os trato como relíquias ou
documentos secretos, pelo contrário, enquanto com páginas em branco, eles permanecem
sobre a mesa, sem restrições a consultas por qualquer curioso. Após completos,
ficam numa estante, igualmente disponíveis. Minha vida não tem fatos
interessantes vividos ou imaginados que possam despertar, no futuro para meus
netos, curiosidades para fofocas do tipo: “vovô era terrível na cama! Viu só? Três
mulheres ao mesmo tempo, e todas vizinhas do mesmo bloco”.
De qualquer modo, este é um texto sem fantasias ou escândalos, mas
posso, literalmente, afirmar: “Minha vida é um livro aberto”.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília –
Jan.2020
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