CAVEIRA DE BURRO NO ENEM

Por Danilo Sili Borges

Boas ideias só são realmente boas quando podem ser bem executadas. Até hoje, não vi ninguém contestar os objetivos a que o ENEM se propõe. A possibilidade de permitir que todos os pretendentes a ingressar nos cursos superiores do sistema público possam concorrer em igualdade de condições por todo o país, permitindo que jovens de regiões em que o ensino médio é de menos qualidade possam buscar vagas nos cursos mais concorridos é louvável e conduz a uma elevação do nível geral do ensino por todo o nosso território. O programa pode ser considerado oxigenante. No seu bojo, estão ótimas ideias desde que foi criado, ainda em 1998, então como ferramenta para avaliar a qualidade do ensino médio.
Ao passar a concurso de vestibular, começaram os recorrentes, variados e infindos problemas. A ideia continuou preciosa. O Calcanhar de Aquiles tem sido a execução. Por mais de uma vez, ouvi dizer que “enterraram caveira de burro no ENEM”. E isso é injusto, pois cria falso conceito para o competente INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, que o organiza anualmente.
A recorrência de percalços, para quem vê de fora, é quase anedótica. A culpa dos tropeços do ENEM 2019 não é do senhor Weintraub, como não foi dos seus antecessores, apesar da imprensa e da oposição a colocarem na conta do ministro da vez. Há, certamente, questões estruturais que levam a esses constantes problemas e nada indica que deixarão de se repetir nos próximos anos. Einstein ensinou: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.
Sucessivos governos ficam, anualmente, como vestibulandos mal preparados, ansiosos, postos contra a parede, a espera dos resultados do ENEM. O programa é problema pelo seu gigantismo e isso tem sido tomado como falta de competência nacional. Existem modos de resolver, mesmo temporariamente, os imbróglios criados, sem pagar o preço da falta de credibilidade que, com seus insucessos frequentes, contamina o país.
 Organizar concurso com provas simultâneas para milhões de concorrentes, ao longo destes 8 milhões de km² é operação de grande complexidade. O último, contou com quase 6 milhões de inscritos.  Ter um ENEM sem problemas é, para o governo, como ter o filho aprovado no vestibular. Esse exame é encarado, dentro e fora do Planalto, como indicador da capacidade administrativa do governo pela sua visibilidade, o que é absurdo. Nas vezes em que não ocorrem problemas, o ministro da educação vai à TV para vangloriar-se do que deveria ser normal. Nas muitas, em que a “caveira de burro” mostra sua força, temos vexame nacional, obrigando as autoridades a se manifestarem, arranjando culpados e desculpas. Nada é mais necessário ao Brasil que credibilidade. É urgente termos confiança nas instituições e em quem as representa.
É possível que as vantagens do programa, principalmente aquelas que permitem a mobilidade de estudantes talentosos para cursos de maior ranqueamento, possam, por algum tempo, ser alcançadas sem expor nossa fragilidade em organizar certame de tais proporções. Se não estamos dando conta da tarefa, é preciso reconhecer. E neste caso não adianta chamar os militares da reserva ou a Força Nacional.
Talvez a chave para encontrar a porta de emergência para o ENEM e para outras angustiantes questões que afligem o Brasil, como o saneamento, o ensino fundamental e médio, a saúde, a segurança, esteja em atentar para uma ideia que o presidente Bolsonaro expressou nos primeiros dias do seu governo: “Mais Brasil e menos Brasília”. Neste país chamado de federativo, a concentração de recursos, poderes e capacidade de decisão está na capital e é digna de um império. E quem quer abrir mão disso? Afinal ter a grana, ser quem manda, dizer como se faz e aparecer em todas as fotos, é tudo de bom para quem tem o poder.
O bom sucesso de megaprojetos para resolver, por atacado, questões nacionais tem 8 milhões de km². Quando ocorrem erros, o descrédito é do mesmo tamanho. O que não dá é para ficar tentando por anos seguidos. É preciso rever o ENEM.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Fev. 2020

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