DISSONÂNCIAS


DISSONÂNCIAS
Trocaram, no Zoológico de Brasília, os animais de viveiros e jaulas. O rinoceronte está no lugar dos macacos. As araras de peito amarelo estão contidas no espaço dos leões, as hienas, nas árvores, riem às gargalhadas de mim e de você, os bobos na casca do ovo do elefante. Nonsense total!
O Presidente tem entendimentos respeitosos e cordiais com a oposição e com a imprensa e não há ameaças de movimento de rua, fiquei sabendo. A Justiça julga com isenção, o Parlamento legisla para o bem do país e da população. – Aqui?! Não, no Uruguai, onde o Presidente assumiu no último domingo, após eleição disputadíssima, mas sem atentados à vida, sem xingamentos e ameaças. Paisinho civilizado aquele.
Parlamentarismo branco, ou amarelo de desgosto, ou vermelho de vergonha, é melhor que presidencialismo de coalização? Na dúvida, faça como o Maia, pergunte ao Embaixador da Espanha.
Acorda Brasil!
Ouço de autoridades que “a democracia está consolidada entre nós, forte, apesar de recente, pois as instituições estão funcionando”. Omitem o que poderia dar som e cor à realidade: funcionando mal.
Quando os Poderes constituídos não se respeitam e utilizam artifícios, forçadamente legais, para usurparem prerrogativas dos outros poderes, algo está caminhando errado. Democracia vai além de eleições regulares e de instituições de portas abertas. 
Em democracia equilibrada, plena, certas dissonâncias não se ouvem. Por exemplo: O máximo tribunal de justiça não muda antigos entendimentos para atender casuisticamente a situações políticas, pois isso traz insegurança jurídica e descrença pública.  Empolados discursos e pareceres não camuflam realidades; o Congresso resguarda-se em suas funções e não ambiciona substituir o Executivo por dinheiro algum; o Presidente não compra briga de foice com a imprensa. A liturgia do cargo o põe acima dessas querelas; o Ministro da Fazenda não tem que se fazer de político para preencher vazio da bancada do governo que, inexistindo, o empurra para propalar impropriedades, de consequências incomensuráveis. Dissonâncias ou, como se dizia no tempo do Stanislaw, Samba do Crioulo Doido.
Sempre ouvi dizer que “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Lá em casa era assim: quem mandava eram meus pais. Eu aprendi a ter juízo e acho que os nossos Poderosos devem recordar essas lições de suas juventudes.
Diz a nossa Constituição cidadã, no seu artigo 1º, que “Todo poder emana do Povo”. Poder que deve ser exercido por representação eleita.
A dissonância está instalada, a cacofonia é intensa, cada um fala para si mesmo. Não será mesmo a hora da voz de quem manda prevalecer?
Tentar silenciá-la não mostra sabedoria. Evitar ouvir agora a voz das ruas fará com que logo tenham que escutá-la, só que aos gritos. Quando os poderes se estão estapeando, se já não respeitam a liturgia dos cargos, se não percebem a verdade dos fatos, se só enxergam os próprios interesses, se abusam do erário, se estão pra lá e pra cá nos jatinhos da FAB, é só esperar.  Hoje, nestes tempos de internet, tudo se vê, tudo se sabe. Da lagosta servida no almoço de hoje, ao jantar–reunião em Paris, tudo é visto em tempo quase real. Não adianta alegar fake news, fatos são fatos.
O povo, de onde emana o Poder original, o maior, do qual decorre o do Presidente, o dos Juízes, o dos Parlamentares, consegue entender bem o porquê da cacofonia, da dissonância que foi estabelecida.
Mais perigoso que o COVID-19, pois para este, mais dia menos dia, a ciência encontrará a vacina, é a confusão, a gritaria e a discórdia estabelecida pelos que sempre querem nacos maiores do poder e do dinheiro. Vão levar, para usar em nada, bilhões do que pagamos de impostos. Voracidade sem limites, gargantas insaciáveis. O butim será dividido, metade para cada lado, o acordo já está firmado, sem ver necessidades ou prioridades públicas. Absurdo, desserviço total, desrespeito com a população.
Os que chegaram a cogitar convocar o General Augusto Heleno para prestar esclarecimentos, naquele também augusto Congresso, por que hesitaram? E por que temem igualmente ouvir a voz das ruas?
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Mar.2020

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