DO BOATO À FAKE NEWS


Por Danilo Sili Borges

Será mesmo o futebol o mais popular esporte hoje praticado no Brasil? Apesar da visibilidade de atrair multidões aos estádios, de provocar discussões às segundas-feiras em todos os ambientes de trabalho e de sabermos dos vencedores de domingo somente pelo desfile das camisetas dos viajantes dos ônibus e metrôs das nossas cidades, penso que há outra prática, quase esportiva por seu aspecto lúdico, que vem mantendo, em nosso cotidiano, status semelhante. Como o futebol, no início ela era amadora, jogada por prazer, agora é profissional, disputada numa espécie de luta mortal. Falo do que antes era o “boato”, agora especializada, ganhou eficácia e, como a Conceição, do Cauby Peixoto, desceu à cidade e “hoje o seu nome mudou”, virou “fake news”.
Como nos boatos, o gol das fake news é a destruição de reputações. Elas se concentram nas atividades políticas e têm, mais que o futebol, um grande atrativo. O centenário esporte dos pés é jogado pelos onze de cada equipe e nós ficamos inertes, gritando e chutando o ar. Nas fake, entramos no jogo, se não criamos a jogada, elas nos chegam prontas e vamos dando passes adiante. Se possível, acrescentamos um tempero, diz a sabedoria ancestral, “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Com nossa efetiva participação, um gol pode ser alcançado, e mais uma reputação será destruída, com verdades ou mentiras, não importa. Maradona fez gol de mão e é herói na Argentina. Entramos no campo, vestimos a camiseta do Gabinete do Ódio, ou a do Puxadinho do Inferno. E, no grande estádio da Internet, colaboramos com nosso time.
O boato tinha potencial destrutivo menor, por se transmitir boca a boca. Lembro-me de um caso jocoso, corrente após a instalação dos ministérios em Brasília. As notícias da política, antes de serem divulgadas pela imprensa ou pelo rádio, circulavam informalmente pela Esplanada, entre ministérios, o que logo passou a ser conhecido como Rádio Corredor. Surgiu daí a brincadeira que era, na realidade, um “bolo de apostas”: Um grupo de funcionários inventava um boato, por exemplo, que o ministro A estava demissionário, e espalhava a conversa a todas as pessoas que aparecessem por ali. Entre eles, faziam uma lista de apostas, onde o objetivo era acertar em quanto tempo o boato voltaria, sendo trazido por algum visitante como uma novidade. Ganhava o bolão quem tivesse estimado o tempo mais próximo. Não doía em ninguém, nem o ministro A se demitia por acreditar na conversa.
O que distingue o boato, puro e simples, da fake news é o instrumento de espalhamento da falsa informação, ambas visam enodoar reputações, com objetivos políticos ou econômicos, em geral. Hoje, com o alcance da mídia eletrônica, os males causados aos atingidos são enormes. Travam-se guerras entre grupos rivais. Esse é o pau que rola, sem limites, na disputa pelo poder no Brasil.
A primeira vez em que se utilizou uma fake news no Brasil, com a caracterização acima, foi na eleição para a presidência da República em 1946. Os candidatos com maior probabilidade de vitória eram o Brigadeiro Eduardo Gomes e o Marechal Eurico Dutra, ambos maiores patentes das forças armadas, o que se entende pois estávamos no período pós-guerra mundial e também por ter sido Getúlio Vargas defenestrado do poder pelos militares em 1945.
Próximo às eleições, o Brigadeiro aparecia como favorito. Num discurso, o candidato disse não querer os votos “da malta”, referindo-se a grupo de apoiadores do adversário. Numa interpretação maldosa do termo, o jornalista Hugo Borghi, dono de 150 emissoras de rádio, divulgou a versão que o Brigadeiro havia dito que não queria votos dos que carregavam marmitas quando iam trabalhar. O boato pegou, Dutra foi eleito. A mídia, pelas ondas de radiodifusão, interferiu provavelmente no resultado.
Polícia Federal, Supremo Tribunal, indignação geral, reputações no lixo, ministros envolvidos, esposas e seus escritórios faturando com processos que seus maridos julgam – verdades ou fake news?  
As fake que atacam opositores do governo são geradas no Planalto, com dinheiro público?  Tudo isso, boato? Verdade ou Mentira?
O número de contaminados é real e os 56 mil mortos, morreram mesmo, ou são apenas fake news para desmoralizar o Ministro da Saúde, o médico, Doutor... como é mesmo o nome dele?
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Jun. 2020
danilosiliborges@gmail.com

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