O DIA DOS NAMORADOS
Por Danilo Sili Borges
Para os que já viveram muitos
invernos é impossível lembrar o Dia dos Namorados sem se pegar cantarolando, no
brejeiro ritmo sertanejo, “Hoje é Dia dos
Namorados toda Terra está em flor, só se vê menina e moça de braço dado com seu
amor...Quem não tiver amor, pede a Santo Antonio/ Que Santo Antonio dá...”
Entre nós, a simpática
comemoração ocorreu na última sexta-feira, 12 de junho, véspera da data
dedicada ao idolatrado Santo Antônio, nascido em Lisboa nos últimos anos do
século XII. A história de vida desse extraordinário religioso atravessou o
tempo pelas suas múltiplas qualidades como teólogo, orador, taumaturgo. Também
identificado como Santo Antônio de Pádua, por ter vivido por anos naquela
cidade italiana, afirma-se que qualquer pedido com fé feito ao santo, será por
ele atendido. E que, caso esteja demorando, é válido maltratar a imagem para
apressar o sucesso da solução, daí as simpatias comuns no Brasil, das jovens
que, em busca de namorados, penduram-na pelos pés, ou tiram-lhe dos braços a
imagem do menino Jesus até verem atendidos seus desejos. Tradições, algumas
vindas de Portugal. Um santo a favor do amor apaixonado, dizem.
Nesta quadra, ao espírito atento
do cronista, algumas reflexões sobre o relacionamento dos que se amam logo
ocorreram, projetadas na tela do ontem e do hoje. Em passado remotíssimo,
brutos que éramos, atendíamos apenas ao apelo natural pela perpetuação da
espécie. A época do acasalamento era anunciada pela disponibilidade da fêmea e
não havia, ao que se imagina, a chama divina do amor, nem a prática requintada
do erotismo, que acrescentou ao sexo muito mais que sua finalidade reprodutiva.
Aproveitando a longa quarentena,
estou arrumando o escritório: razia nos livros e documentos, investigação em
gavetas há muito intocadas, objetos inservíveis, memórias esmaecidas. De
repente encontrei um amarelado caderno, que Zélia nos fez acompanhar pelos
muitos endereços que tivemos nestes quase 60 anos de vida em comum, no qual
tinha transcrito alguns poemetos que cometi na juventude.
Vem daí minha primeira
constatação na tela do passado: Na minha geração, os jovens, eles e elas, dos
15 aos 20, éramos todos poetas, levássemos ou não ao papel nossos românticos
sentimentos. Acreditávamos no amor puro, angelical, no encontro das almas
irmãs. Creia o leitor jovem, era assim mesmo!
Na realidade, a sublimação do
impulso sexual impedido pelas conveniências sociais e culturais divinizava o
objeto do amor. Os primeiros sentimentos amorosos não se acompanhavam do
erotismo, do tesão pelo outro, limitava-se ao prazer da conquista de ser
reconhecido e aceito. Éramos peritos, elas e eles, no jogo fino da sedução.
O impulso sexual crescente,
natural, viria ao longo do convívio, dos toques que iam vencendo intimidades,
mas que se continham em limites socialmente aceitáveis – ou da severa
fiscalização da mãe da donzela – até o “sim” ao padre ou ao juiz. Isso era
assim mesmo, creiam. O mundo era romântico e isso se refletia na música, no
cinema, na literatura. Como tudo que existe com pouca disponibilidade, o sexo
entre enamorados era valorizado e sua plenitude aguardada com ansiedade.
Com as mudanças sociais dos anos
60, capitaneadas pela disponibilização dos seguros métodos anticonceptivos, a
liberalização sexual se instalou. O protocolo de aproximação passou a ser o do
interesse sexual recíproco e ficou explícito ao primeiro olhar. O jogo da
conquista sutil deixou de ter razão de ser. O que para nós era “o finalmente”,
agora é “o vamos conversar pra ver se a gente se entende”.
No extinto mundo romântico, nem
tudo eram flores. Ao se buscar a compatibilidade das almas, postergando o
encaixe dos corpos para uma fase do relacionamento já definitiva, muitos casais
passaram a vida pensando que o relacionamento sexual afetivo era resultado de
propaganda enganosa.
Na tela do presente, no mundo da
eficácia, a procura é pelo ajustamento dos corpos, sem preocupação demasiada
com a perenidade ou com o longo prazo do relacionamento. Num certo sentido
voltamos ao primitivo, mas praticando e conhecendo bem o jogo do prazer
erótico, tão importante para o equilíbrio psíquico de homens e mulheres que
vivem em épocas de tantas pressões.
Não há o melhor, nem razões para saudosismos, que cada um viva com
plenitude o seu tempo e sua realidade.
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Jun.
2020
danilosiliborges@gmail.com
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