O PLANO GUEDES
Por Danilo Sili Borges
Após a redemocratização tivemos muitos
planos econômicos. Vêm-me à memória mágicas promessas de eliminar a inflação
com soluções heterodoxas tiradas das cartolas de economistas que assessoravam
luminares da política que davam expediente no Palácio do Planalto. Não vou
citá-los nominalmente, pois este cronista não se sente no direito de azedar o dia
do leitor.
A inflação era o bicho-papão,
eliminando-a, felicidade jorraria a cântaros, bafejando de bem- estar a nacionalidade.
Do Cruzado do Funaro, da Bala de Prata do Collor, até o FHC raptar o plano do
Itamar para se eleger à presidência, passamos pelo Feijão com Arroz do Mailson.
Tivemos de tudo: congelamento de preços, desabastecimento, rapina das poupanças.
Cada economista que chegava ao Ministério,
ora da Economia, ora da Fazenda – mudava o nome, mas o odor era o mesmo – trazia
consigo a maletinha com bandaids de diversos tamanhos e cores para estancar o
sangue que escorria da ferida aberta. E temos vivido de bandaid em bandaid por
todos esses anos. A doença que atinge o organismo nacional é sistêmica, com
inúmeras metástases.
Ou a doença é tão grave que os
nossos doutos economistas não tem como curá-la e se penalizam de nós, quase
órfãos, e preferem exercer a medicina paliativa dos curativos inconsequentes.
Ou essa pode ser como a doença das ostras que geram pérolas e riqueza para os
que colhem as joias sem se importarem com a dor dos animais que sofrem.
Mas nem tudo foram pedreiras e nem tudo foram
flores nessas mais de três décadas. Para dar exemplos, cito os empregos
públicos estarem sendo preenchidos por meio de concursos honestamente
conduzidos, que levaram capacidade, inteligência e independência ao Estado brasileiro,
principalmente pela estabilidade no emprego dos servidores. É de justiça que se
reconheça a altíssima qualidade do Serviço Público oriundo dos concursos.
Do lado errado da vivência
desejável para a construção harmônica da sociedade democrática, temos a
implantação estratégica da radicalização politico-ideológica, que ao
transformar adversários em inimigos, fechou espaços para o surgimento de
protagonismo moderado e politicamente sadio. Como temos visto, o armistício,
nessa guerra maluca, só se encontra nos espaços viciados, interesseiros e
fisiológicos dos Centrões da vida parlamentar, sem bandeiras, sem cores, sem
pudores.
O papo do combate à inflação não
dava mais, até a Dilma, para se reeleger, segurou o bicho-dragão ao preço de
quebrar o pouco que restava da economia. O funcionalismo público virou a bola
da vez. O grande causador dos males nacionais. Primeiro, a campanha midiática o
apontando como grupo de privilegiados, em seguida, como o culpado dos
desacertos das contas públicas. Covardia e mentiras.
Ao garantir a estabilidade no
emprego, a Constituição pretendeu criar para o Estado corpo funcional que não
flutuasse com as mudanças dos governos que ocorrem a curtos períodos – quatro
anos –, para garantir a necessária continuidade administrativa, mesmo dentro
das mudanças das naturais alterações políticas. Derrubar a estabilidade é desejo dos que, ao
vencerem uma eleição para o executivo, pretendem trocar integralmente os
trabalhadores da máquina pública por seus apaniguados.
Aos que gostam de comparar o
emprego público aos da iniciativa privada, pergunto: alguma empresa suportaria
esse rodízio no seu quadro de colaboradores?
Juntaram-se outros fatores para
atingir os jovens servidores públicos. Foi esta a geração do combate à
corrupção, a que colocou na cadeia ladrões. E que gerou inveja em alguns mais
antigos, que gozavam de privilégios e que viviam em simbiose com os poderosos,
que os havia guindado ao altar dos julgadores, que se sentiram ameaçados pela
verdade que lhes manchava as vestes negras.
Culpá-los pela economia das
contas tronchas do governo, incapaz de reverter a realidade, era uma tábua de
salvação. Mas a pandemia tem sido inculpada do fracasso de uma economia que
antes dela já não apresentou resultado algum. Voltar à carga e culpar os
servidores é fazer defesa prévia, por saber que logo terão que mostrar a cara e
o vírus chinês não será salvaguarda para sempre. Ou resultados ou culpados.
Esta última opção é mais simples.
Jogar nas costas do funcionalismo
público o fracasso da política econômica é cômodo, mas é falso. Propor uma Reforma
Administrativa que congrega o melhor que o país tem de recursos humanos, de sua
inteligência e integridade, após campanha torpe de desmoralização pelo o que o
país tem de menos confiável – seus políticos – parece piada de mau gosto.
O que o Brasil precisa, mesmo, é de Reforma Política, feita com água, sabão
e creolina.
Crônicas da Madrugada.
Danilo Sili Borges. Brasília – Set. 2020.
danilosiliborges@gmail.com
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