DE RABO DE LEÃO A FOCINHO DE PORCO

 

Por Danilo Sili Borges

Há poucos dias, nos assustamos quando o presidente Bolsonaro, bem ao seu estilo espontâneo, impensado, dizendo o que lhe vem à mente, aborrecido com a derrota de Donald Trump nas eleições americanas e pressionado pelas declarações feitas por Biden de estar disposto a mobilizar a comunidade internacional de países a tomarem medidas concretas contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia, reagiu com dureza.

Claramente, entende-se o desconforto do presidente, pois a questão envolve a soberania do Brasil sobre parte do seu território. Reduzido o problema a um exemplo comezinho, é como se sua vizinhança, incomodada com o som muito alto que toca em sua casa, pretendesse invadi-la para obrigá-lo a reduzir a zoada. A situação muda de figura se no seu apartamento, você resolvesse fazer um depósito de dinamite ou mesmo de fogos de artifícios, em grande quantidade, pondo em risco todo o condomínio, condição que justificaria aos outros condôminos apelarem à Defesa Civil, aos Bombeiros e às forças policiais para garantirem a incolumidade do prédio.

Na questão concreta, não nos iludamos, a ambição internacional sobre a Amazônia é secular, o que nos cabe é não caminharmos para transformá-la num risco ambiental irreversível e cientificamente comprovado, pois assim nos tornarmos vulneráveis em sua defesa.

No paroxismo da sua irritação, nosso líder declarou que se a “saliva” já não resolvesse a situação, isto é, a diplomacia, seria então a hora da pólvora. Para qualquer semiletrado, a defesa seria pelo uso das armas. Guerra. Outros tiros do acre humor contrariado foram disparados, como o aconselhamento para que deixássemos de ser uma terra de maricas ...

Felizmente o arroubo bélico do presidente não foi levado a sério, nem aqui, nem lá, nem acolá. Tudo parece ter sido posto na conta do seu já conhecido e constante destempero verbal. Um estilo.

O relacionamento do nosso país com os americanos, como, aliás, de toda a América Latina, tem sido de subserviência. A Doutrina Monroe nunca deixou de funcionar. Na atualidade o Brasil se satisfaz em ser uma espécie de rabo do leão.                                                              

O episódio me trouxe à mente a figura do esquecido ex-senador capixaba Magno Malta, um dos artífices da vitória de Bolsonaro e o primeiro a ser posto de lado, que dizia que certas situações eram como se “o rabo quisesse sacudir o cachorro”. Troque cachorro por leão e você vai entender o estado de ânimo do presidente.

Ao longo da história, tivemos conjunções de homens valorosos com ideais de liberdade e patriotismo que souberam impor o interesse nacional e deixaram patrimônio de competência na diplomacia, mais que na guerra. Dois momentos foram exemplares e são os que cabem citar, nas poucas linhas desta crônica.

A Política Externa Independente do governo Jânio Quadros, no auge da Guerra Fria, conduzida pelo Ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco, que com outros 3 países, formaram o bloco dos não alinhados. História para quem quer saber e discutir o Brasil.

Outros episódios de confirmação da soberania nacional, sem show midiático, tiveram lugar no governo do austero Ernesto Geisel, que ficou conhecido no seu conjunto como “pragmatismo responsável”.

Logo ao assumir o governo, o então presidente, por meio de medidas como o reconhecimento dos governos socialistas de Portugal e Angola que se implantaram após a derrocada do regime salazarista; o reatamento de relações com a República Popular da China e outras manifestações, firmou conceitos de que o Brasil era de fato soberano. Isso possibilitou que nosso país denunciasse o Tratado Militar Brasil-Estados Unidos e que firmássemos um acordo nuclear com a Alemanha, para transferência de tecnologia e construção de usinas nucleares. Algo que num paralelo, hoje significaria a escolha do fornecimento da tecnologia 5G livremente. Outras manifestações da nossa independência política, comercial e ideológica se deram por atos firmes daquele presidente.

Nos últimos tempos, temos cedido aos americanos vantagens comerciais, estratégicas, diplomáticas sem reciprocidade, por uma espécie de idolatria. Talvez dentro da conhecida filosofia pregada pelo Centrão: “É dando que se recebe”, mas que só funciona quando se tem força para cobrar a segunda parte da afirmação.

A liderança da América no mundo é inconteste, reconhecer a realidade é ter bom senso, mas isso não significa ficar de joelhos, por um lado, nem perder a paciência por outro. Maturidade é a palavra.

Vale aqui refletir sobre o ditado: “É preferível ser focinho de porco que rabo de leão”.

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Nov. 2020.

danilosiliborges@gmail.com

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