OS AMIGOS DO REI
Por Danilo Sili Borges
Manuel Bandeira, ainda em 1930,
publicou “Vou-me embora pra Pasárgada”, descrevendo as vantagens de ser amigo
do rei. Séculos antes, Maquiavel havia aconselhado o Príncipe a que tirasse da
sua agenda o nome dos que os tinham ajudado a chegar ao poder. Pois estes se julgavam,
no entendimento do veneziano, com direitos a passagens e diárias a pasárgada.
Por quais motivos se alinhem, defenestrar
escadas ao poder foi lição bem aprendida no Planalto, que fale o caso bebiano,
entre outros.
Nos estados modernos os reis têm
data de validade. Enquanto esboço este texto, o país mais rico e poderoso do
mundo está decidindo se mantem Trump com a coroa por mais 4 anos, ou se o manto
de arminho e fios de ouro passa aos ombros do velho e calejado Biden.
Centenário exemplo de democracia, o presidente dos Estados Unidos é escolhido
em eleições livres pelo povo. Nada mais de Rei Sol, absoluto e senhor da Vida e
da Morte dos seus súditos.
No presente pleito lamenta-se a
postura do presidente Trump, candidato à reeleição, que, temendo a derrota, joga
a farofa da desconfiança no ventilador, desacreditando o processo eleitoral de
seu país, aparentemente sem evidências de fraude. O procedimento é inédito e
enfraquece valores fundamentais cultivados por aquela sociedade. Um desserviço
à humanidade que muito deve à democracia americana.
Quem somos nós tão atentos à
definição da escolha do novo dirigente americano? Tão interessados que os meios
de comunicação dedicam espaços consideráveis à evolução da longa apuração dos
votos.
Cidadãos, daquele reino, nós não
somos. Somos, com certeza, admiradores da sua cultura, da sua operosidade, mas,
até queixas de tratamentos e interferências que nos foram dispensados ao longo
da história, temos. Mas, os lúcidos, entendemos que entre nações é assim mesmo,
o que prevalece são os interesses nacionais.
O decantado vínculo atual de
amizade, entre nós, é de ordem pessoal ou familiar. Amizade entre os reis. O
rei Bolsonaro e o rei Trump são amigos, possivelmente com lastro em pensamentos
políticos e ideológicos semelhantes, é verdade, mas essas amizades pessoais
estão fora do escopo desta crônica.
O pragmatismo das relações
internacionais, com suas fortes cores geopolíticas e comerciais, não permite
esperar que amizades pessoais influenciem nas decisões de Estado. Enganam-se os
que assim avaliam os fatos. E o governo brasileiro, pelo que percebo, tem
misturado as estações. Foi-se a época em que acordos se davam a partir do
casamento de príncipes com princesas. Ressalvo, num parêntese histórico, o
grande presente que o Brasil, então em formação, recebeu com a vinda da jovem
princesa Leopoldina, por casamento com Dom Pedro, e que se tornou a grande
Imperatriz de uma nação que se criava com sua marcada participação.
O que o amigo Trump proporcionou
ao Brasil foi cobertura ao não tecer críticas e restrições à política ambiental
brasileira e em apoiar nosso posicionamento na política internacional global,
em ambos os aspectos calcada na dele. No mais, por exemplo, nas negociações
comerciais, como amigos, nunca fomos convidados aos benefícios da pasárgada. Não nos decepcionemos. Caiamos na real. Entre
nações não há amigos, mesmo que seus reis sejam irmãos de crenças. Temos que
crescer e aprender.
Não temos que prestar vassalagem
para Trump se ele ficar, nem para Biden se dele for a coroa. O grande rei do
oriente, Xi Jingping, tem conosco grande comércio, compra muito, vende muito,
tem potencial para empreender por aqui, pode ser um bom parceiro. Imagino que o
rei da China seja um bom garfo, para junto com o rei do Brasil, Bolsonaro ou
qualquer outro, degustarem uma carne acre-doce ou um frango xadrez, mas creiam que,
ao negociar, ele, Xi, com aquela cara de
esfinge, terá sempre em mente os interesses do seu povo.
Que o nosso rei telefone na data
de aniversário do Trump. do Biden, da Merkel, do Xi Jinping, todos mui amigos.
E até na do Macron, que, ainda ofendido com as ofensas gratuitas a sua Brigitte,
aceitará receber os parabéns e agradecerá, devido a sua boa educação. No Natal passe no posto dos Correios e envie
um cartão daqueles impressos e mande para os reis amigos. De volta, espere
apenas ligações e cartões.
Amigos, amigos, negócios à parte.
Crônicas da Madrugada.
Danilo Sili Borges. Brasília – Nov.2020
danilosiliborges@gmail.com
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