UMA CASA NO CAMPO
Por Danilo Sili Borges
Em 1971, Zé
Rodrix e Tavito, expressando-se pela inesquecível voz de Elis, ansiavam por uma
casa no campo para terem carneiros e cabras pastando no jardim, para plantarem
e colherem com a mão a pimenta e o sal e o mais importante, para terem o filho
de cuca legal. Nesses 50 anos o mundo sofreu profundas alterações, tornou-se
mais complexo e a compreensão de que a espécie humana encontraria paz, segurança
e tranquilidade ao se reconhecer parte da natureza vem se introjetando na nossa
consciência coletiva. Mas para alterar hábitos é necessário muito tempo ou um
grande susto.
No último ano
o mercado imobiliário indicou sensível aumento da procura por casas em terrenos
grandes nas imediações das zonas urbanas, nos chamados condomínios. Certamente a
migração está sendo provocada pelo desejo (e necessidade) de isolamento que
esse tipo de moradia proporciona, e que de algum modo atende ao atávico impulso
do contato com a terra, com o ar e com o céu estrelado que esquecemos que
existe no nosso cotidiano citadino.
A proteção contra
a contaminação pelo Sars-CoV-2 foi a causa da decisão. E há mesmo motivos para
isso. As infecções provocadas por vírus, até onde sei, no geral, não têm tratamentos
medicamentosos específicos. Se recorrermos à memória, vamos lembrar que nos
sentíamos aliviados quando saíamos do consultório médico, com o diagnóstico e a
orientação, depois de o procurarmos pelo mal-estar, febre, dor no corpo, dor de
cabeça e de termos realizado os exames de laboratório, com o diagnóstico:
– É apenas uma virose, repouso, muito líquido,
um antitérmico se a febre subir, tome o que você já tem em casa, o mesmo para
dor de cabeça e cinco dias até tudo passar. Qualquer novidade, me procure!
Ali estava o
vírus reduzido a sua expressão mais simples. Virose, uma virose, que bom! Ao
lado de infecções virais de baixa periculosidade existem outras que têm afetado
a humanidade por toda sua existência, como hepatite, poliomielite, febre
amarela, varíola, herpes, hantavirose, aids. Fitopatologias por vírus afetam a
produção agrícola, e também apresentam grande resistência ao combate, o mesmo acontecendo
nas doenças virais que se instalam nos animais.
A intensa
vacinação por longos períodos eliminou o vírus da varíola. Há muitos anos não
há nenhuma ocorrência, a vacinação não é mais necessária, mas os organismos
internacionais de saúde continuam atentos para alguma ocorrência fortuita. O
mesmo processo vem ocorrendo em relação à poliomielite. O empenho na eliminação
do poliovírus tem mobilizado por décadas instituições internacionais para
erradicá-lo, dentre as quais se destaca o Rotary International, por meio do seu
programa Pólio Plus. O objetivo está para ser alcançado.
A forte
pandemia que nos afeta ocorre numa fase em que os cientistas detêm robustos
conhecimentos de genética e, portanto, dos mecanismos de funcionamento da vida,
a tal ponto de poderem oferecer em tempo recorde vacinas modernas para imunizar
a totalidade da população mundial, processo já em curso. Mesmo variedades que
venham a ser resistentes às atuais vacinas poderão rapidamente ser contidas por
novas preparações vacinais. Na ausência de tratamentos curativos, além das
vacinas, devem-se manter os cuidados de higiene pessoal e coletiva, o máximo
isolamento social possível, evitando as aglomerações.
Na atualidade
não há tratamentos medicamentosos para o mal que aflige a humanidade. O que a
medicina tem feito é combater efeitos e criar condições para que os organismos infectados
reajam aos ataques. É de se esperar que o engenho humano encontre os meios de vencer
as defesas dos vírus, tal como o Dr. Fleming fez em relação às bactérias no
início do século XX, tornando as doenças por aquela infecção tratáveis pelos
antibióticos. Aos interessados na história do desenvolvimento dos estudos sobre
esses micro-organismos, sugiro a leitura do livro Medicina dos Horrores, de Lindsey
Fitzharris, que relata a saga do cirurgião inglês Joseph Lister.
Para o
tratamento das viroses, drogas e procedimentos estão em pesquisa em laboratórios
mundo afora. Os humanos, mais uma vez, saberemos afastar de nós os riscos que, na
competição pela vida, outras espécies nos colocam à frente. Mas é certo também
que deveremos entender que a vantagem do saber, do conhecer os mecanismos da
natureza, que por alguma circunstância desconhecida nos foi propiciada com
exclusividade, nos impõe o compromisso moral, que as demais espécies não têm, de
nos portarmos de modo a preservar o ambiente para o desfrute de todos os seres
dentro de suas características naturais.
E então a casa será de todos. E toda casa será uma casa no campo!
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili
Borges. Brasília – Mar. 2021
danilosiliborges@gmail.com
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