O HERÓI BRASILEIRO
Assisti e recomendo que assistam o
documentário “PELÉ”, produzido pela Netflix. O registro da vida do maior ídolo
do futebol será de importância para as novas gerações, se estas forem capazes
de situá-lo no contexto do Brasil daquela época. Começamos a ser poucos os que
tivemos o privilégio de viver o tempo de Pelé, da Bossa Nova, de Juscelino e da
saga da arrancada para o oeste. É importante que a crença que incendiou esta
terra, que nos dava a certeza da nossa capacidade de enfrentar e vencer
desafios, não se apague de todo. Ainda existem focos não eliminados das chamas
do sadio amor à pátria a espera do sopro de virtudes após tanto tempo do
constante vilipêndio dos autoritários, dos incompetentes e dos mal-intencionados.
O documentário mostra um rei
digno, como sempre autêntico, firme em suas opiniões, lúcido em suas lembranças,
honesto e emocionado, indo muitas vezes às lágrimas e nos levando junto com ele.
Pelé não se pinta de perfeito, mas se mostra como é.
Temos, Pelé e eu, a mesma idade e,
como ele relata no início do filme, também sofri aos 9 anos, com a derrota para
o Uruguai na Copa de 50, que ouvimos pelo rádio, ele em Três Corações, eu em
Niterói. Choramos o mesmo choro, éramos irmãos vira-latas.
Do que vivi e do que li da nossa
história, desconheço quem tenha feito mais para tornar este país conhecido,
respeitado e tendo uma imagem pública positiva, simpática e carinhosamente recebida
por todo o planeta do que Pelé. Todos somos seus devedores. Os que têm queimado
nosso filme como nação civilizada lhe devem desculpas.
Garoto bom de bola, filho de
Dondinho, nos apontamentos da professora do Grupo era Edson Arantes do
Nascimento, mas que nas peladas dos terrenos baldios já o chamavam de Pelé, sem
desconfiar que tinham criado uma das mais valiosas marcas comerciais do mundo. Quatro
letras fáceis de pronunciar em qualquer idioma, que iriam se referir a um
atleta, negro, simpático, íntegro, que simbolizava sua terra, seu povo que
estava construindo uma civilização nova, com vigor, solidariedade, ritmo e
alegria.
Todos os que procuravam fama e aparecer
na mídia e na política queriam ter alguns segundos ao seu lado. Simples, nunca
deu os faniquitos dos ídolos atuais. Os alvos dentes sempre estiveram presentes
no sorriso constante na simpática face junto aos fãs. Pelé era, e é, autêntico.
Era um artista fora de série, o melhor já visto na sua arte, como um Picasso era
na dele. Não devia nada a ninguém por ser o que era, nem a si próprio, suas
qualidades eram inatas.
Aos 14 anos, foi para o Santos
FC, jogador de tempo integral, aos 17 era Campeão do Mundo, ídolo,
personalidade mundial, rei.
Famoso, começam as cobranças
sobre o jovem fenômeno. Se uns queriam aparecer em sua companhia, grupos de
orientação política, por vezes extremadas, pretendiam aliciá-lo. A pressão
sobre ele se instalou e se intensificou.
Tendências políticas começaram a
exigir de Pelé posicionamento para os quais ele não tinha preparo, nem
interesse. Seu foco era o futebol. As intensas solicitações ao ídolo mundial não
lhe deram tempo para reflexões políticas e ideológicas, mas o patrulhamento quis
se aproveitar de sua popularidade para inflar suas bandeiras e, não o
conseguindo, procuraram queimar sua popularidade desde então e, como vingança,
até hoje.
Algo semelhante tem sido o
procedimento dos grupos de afirmação dos direitos dos negros, ao lutarem, com justos
motivos, contra a discriminação racial e por iguais oportunidades. Pretendiam
um engajamento explícito do ídolo de sua etnia. Decisões pessoais nem sempre
são bem aceitas por esses movimentos. E Pelé tem sido criticado duramente por não
se deixar usar como estandarte nessas reivindicações.
O idolatrado personagem, possivelmente,
nunca se sentiu discriminado. Sua popularidade precoce o colocou em situação
tal que o livrou de agressões comuns nos estádios. Certamente nunca lhe atiraram
bananas em campos europeus. A majestade contava.
Recebido por presidentes, reis de
verdade, líderes religiosos, Pelé nunca assumiu posições dogmáticas, ou porque
não as tinha, ou porque exerceu seu direito legítimo de não publicizá-las.
Muitos dos que se intitulam líderes
democráticos são patrulhadores extremistas que querem impor aos outros que se
alinhem às suas fileiras e rezem seu credo, engolem no máximo o mundo binário,
“nós e eles”, onde não há lugar para quem tenha cabeça que pense livremente.
No passado remoto, quando a
ciência provou que a Terra girava em torno do Sol e que não era o centro do Universo,
a ciência se desdisse para não morrer na fogueira.
Nos credos mais recentes quem
discordou foi para a Sibéria. Ainda hoje, é prisão ou ir à nado para a Flórida.
Por ser recente, é possível sentir-se
o mau cheiro da supremacia branca do governo Trump. Algo pior que o macartismo dos
anos 50.
A estupidez é múltipla e fértil,
e continua a se reproduzir aqui, lá e acolá. Ela vitimou Pelé, procurando
apagá-lo ou torná-lo pequeno na memória nacional. Radicais inflam personalidades até de pouco
valor que se sujeitem a se declarar suas adeptas e queimam as que os ignoram.
“A discrição do
homem o faz tardio em se irar; e sua glória está em esquecer ofensas”
Provérbios 19:11
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili
Borges. Brasília – Mai. 2021
danilosiliborges@gmail.com
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