PRIMEIRO E ÚNICO

 

“Muito Prazer, meu nome é Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos, mas você não precisa se apresentar porque todo mundo sabe quem é o Pelé." A brincadeira com que o atleta foi recebido na Casa Branca, olhada com cuidado, e alguns jornais fizeram esse exercício, mostrou que a popularidade do brasileiro suplantava a do homem mais poderoso do planeta.

Meninos chutando uma bola, ainda que de trapos, numa favela de um país africano ou num gueto de qualquer cidade reconheciam de imediato a imagem empática do jovem jogador. Em todos os idiomas era fácil pronunciar seu nome: Pelé. As crianças sonhavam em ser como ele.

Esta é a crônica para o Natal, a penúltima do sofrido ano de 2021. Encontrar tema e tom para a época é sempre o desafio ao cronista. Sobre o quê refletir nesta quadra de perdas de vidas, de preocupações e cuidados e, ao mesmo tempo, estimular a esperança, sem a qual viver não tem sentido. Fugir das pieguices, não entrar nos chavões dos jingle bells.

Busquei na minha memória alguém que pudesse simbolizar um estado de espírito de harmonia, necessário numa sociedade levada pelos seus políticos a viver entre extremos, entre disputas insanas. Procurava o contraponto do entre nós e eles; do eles contra eles e contra nós. Neste Natal, o paradigma deve ser o de alguém que nos irmane, mesmo que não seja um santo, mas que nos faça sentir nação, pátria, povo, raça, vitórias, superação.

Os impulsos cerebrais passaram por empedernidas áreas da massa cinzenta já escurecida, onde se aninham prisões políticas, torturas, corrupção, traições, fake News e chegam a disputas hodiernas nada melhores.

Ocorreu-me então a pergunta. Haverá na história destes 200 anos, um só nome que tenha dado ao povo alegria, dignidade, orgulho de ser brasileiro, sendo unanimidade nacional?

Maracanã, 1958, penúltimo treino da seleção, jogo treino com o Flamengo – o último seria com o Corinthians. Assisti no Maracanã o Flamengo vencer a Seleção por 1 a 0. Jogo fraco, nós éramos traumatizados com a seleção. Aos 9 anos sofri a copa de 50, em 54, com o vexame na Suíça. Meu pai, no retorno à casa: “– ...e o escrete?”  “– Pai, uma m....., não vamos passar das eliminatórias. De bom só vi o garoto Pelé, ele é mesmo muito bom de bola, só é franzino, vai ficar na reserva, não vai dar para aguentar aqueles backs europeus.” Pelé e eu temos a mesma idade, em 58, ainda na adolescência, seu físico privilegiado ainda não tinha se insinuado.

Ganhamos a Copa. Pelé aparecia para o mundo com a sua arte e o seu caráter. Logo sua fama transcendeu os estádios. O Edson de Três Corações era conhecido por quem gostava de futebol e por quem gostava de gente, que gostava de gente. Ser brasileiro em qualquer lugar do mundo era ser saudado com simpatia porque éramos da terra do Pelé. Desculpem-me os competentíssimos diplomatas brasileiros, Pelé fez mais pela boa imagem pública do Brasil que o Itamaraty, desde sua precursora, a Secretaria de Negócios Estrangeiros, criada em 1823.

Fui tomar um cafezinho, pensando: dos craques que conheço, quem mais poderia ostentar a simbólica coroa de Rei do Futebol? O fenomenal companheiro de Pelé, Garrincha? Não, ele poderia ser o genial Charles Chaplin daquele esporte. Didi, líder inconteste do time, guerreiro, elegante era exatamente como o epíteto que lhe deram, Príncipe Etíope. Para os antigos que tiveram a oportunidade de ver Zizinho, o da Copa de 50, o que sabia tudo de futebol e era chamado de Mestre Ziza, com certeza um professor!

Você se sentiria à vontade em colocar a coroa de Rei na cabeça de qualquer um desses craques: Ronaldinho Gaúcho, Maradona, Ronaldão, Neymar, ou mesmo na do Messi? Não pelo futebol que praticam, mas pelo algo a mais, por uma espécie de dignidade intrínseca. Pelé nasceu para ser rei, os outros para serem craques de futebol.

A coroa de Rei do Futebol só encaixa na cabeça de Pelé.

Edson Arantes do Nascimento tem carregado por décadas o Rei por onde vai. Nem sempre é fácil. No país do seu registro civil, onde lhe forneceram a CI e o CPF as pessoas são iconoclastas, adoram derrubar seus ídolos, encontrar defeitos, fraquezas. Quando não encontram inventam, fake News existem para isso.

Pelé é um Rei. Edson um ser humano, sensato, mas com problemas financeiros, de saúde, familiares. O Brasil é um lugar onde existem radicais que fazem política por patrulhamento ideológico e eles quiseram que Edson obrigasse Pelé a se manifestar ideologicamente e que assumisse posicionamento nos movimentos de política racial. Não o conseguindo passaram a desmerecer Pelé. Sempre digno, dele nunca se ouviu uma queixa. Razões, ele teria.

Desconheço outro brasileiro que tenha recebido tantas honrarias estrangeiras quanto Pelé: Nem chefes de Estado, nem artistas, nem cientistas do Brasil mereceram tanto. Na realidade, homenagear o Rei, trazia para o patrono grande exposição na mídia mundial e simpatia popular. Ministro dos Esportes, deixou o legado de alforria aos jogadores de futebol com a aprovação da Lei do Passe. Não se deixou morder pela mosca azul do Poder.

Neste Natal trago a exemplar figura do Rei, para invocar tolerância. Aos Mil Gols, ele poderia ter levantado o punho envolto em luva negra e pedido guerra. Ele pediu que cuidassem das crianças.

Pelé, espírito natalino 2021/2022!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – dez. 2021

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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