ADEUS ÀS ARMAS

Tomo de empréstimo com Ernest Hemingway o título de um de seus romances, Adeus às Armas, publicado em 1929, o segundo do autor, marcadamente autobiográfico por assemelhar as experiências do protagonista à sua própria, tanto como motorista de ambulância na frente italiana da 1ª Guerra, quanto na história de amor vivida com uma enfermeira, também ali voluntária.

As imagens televisivas dos ataques destruidores que estão ocorrendo na Ucrânia - a população desesperada fugindo para países vizinhos, corpos espalhados pelas ruas – relembraram-me os relatos da obra do magistral escritor americano, que li na adolescência.

Sou pacifista convicto. Como boa parte dos 8 bilhões dos que habitam este sofrido planeta, gostaria de viver num mundo sem guerras, no qual todas as armas tivessem sido destruídas, exceto exemplares para museus, onde as gerações futuras pudessem conhecer a longa fase de violência em que os humanos resolvíamos divergências pela agressão, pela força, pela eliminação física e por que custo a dizer?.... Pelo assassinato do semelhante!

Imaginei, nos meus devaneios, que as forças armadas de todos os países firmaram um grande acordo entre elas ao perceberem que a humanidade estava em risco de se autodestruir e aceitaram – revoltando-se contra os muitos tiranos que governam os quadradinhos que se veem nos mapas -, usando todos os seus formidáveis meios materiais e humanos, acabar com a miséria do mundo, com as doenças, com a fome, com a falta de cuidados médicos, com a insalubridade e com as guerras. Êxito garantido pela capacidade de organização, de mobilização, de resiliência.

Tenho apoiado invariavelmente os projetos que restringem o uso de armas pela população, aceitando o argumento de que menos armas, menor o índice de criminalidade. A esse respeito minhas convicções não são tão firmes. Em primeiro lugar, porque enquanto armas clandestinas chegam às mãos de criminosos, cidadãos de bem desarmados estão em grande desvantagem. É aí exatamente onde está a casca de banana que nos faz escorregar das mais belas teses e cair nas empoeiras calçadas da realidade.

Todos sabemos que nas periferias das grandes e médias cidades é possível adquirir armas de fogo ilegais nas “feiras-do-rolo”. De nada adiantam leis que não podem ser cumpridas. Enquanto o Estado não se aparelhar para combater esse crime, o cidadão estará sujeito ao encontro com portadores de armas ilegais. Não adiantam códigos que pressupõem um avançado estágio civilizatório da sociedade se esse não é verdadeiro. A civilidade começa nas escolas, nos cuidados de saúde, nas habitações dignas. E num aparato policial competente e prestigiado.

Certas questões, como a segurança em propriedades rurais não evoluíram em mais de 60 anos e continuarão do mesmo tamanho sendo uma das causas do êxodo do campo. Lembro-me de episódio ocorrido na minha infância: tinha, eu, 8 anos, morávamos num sítio, em Pendotiba (Vila Progresso), Nitéroi, na época local ermo, quando uma noite nossa propriedade foi invadida por 3 homens. Certamente foi o Schmidt & Wesson 38, e o destemor de meu pai que abrandou o furor com que eles tentavam abrir a nossa porta. Um só tiro, que estilhaçou o postigo, de dentro para fora que os colocou para o meio da estrada e abriu o diálogo: “Nunca entrem aqui sem licença”. Maior poder de fogo e decisão nos evitou grandes problemas, talvez a perda da vida.

Deixei, recentemente, um projeto leiteiro em Planaltina DF, após dois assaltos, em um, o funcionário sofreu violência física. A polícia, na altura, me alegou sua absoluta incapacidade de ir buscar aqueles bandidos, que eram conhecidos.

Sem o Estado prover a segurança da população, falar em desarmamento, dizem os opositores, é demagogia, ou estratégia de grupos radicais minoritários que pretendem desarmar a população para num certo momento tomarem o poder, sem encontrar reação popular. Daí à oposição política ao projeto de desarmamento.

O governo da Ucrânia está distribuindo armas aos seus cidadãos para defenderem o país. Isso não poderia ser feito sem que grande parte da população tivesse um prévio treinamento no uso de armas de fogo. Ocorre-me curioso episódio no qual a filha de um amigo fazia bolsa de estudos para jovens na Ásia. Programas anuais preveem que o participante dê continuidade ao curso no nível que frequenta no país de origem. E qual não foi o susto da jovem, ao ser levada para um treinamento com armas de fogo, como parte do currículo escolar do ensino médio. Meninos e meninas aprendem, desde cedo, a manejarem armas de fogo, inclusive com treinamento de tiro.

O que entendemos como violência e agressividade tem origem no instinto natural da autopreservação. Todas as formas de vida têm suas maneiras de se protegerem. Algumas ingênuas como as das rosas, com seus ineficazes espinhos. Garras, presas, venenos poderosos, substâncias que queimam como fogo quando tocadas. A natureza é de luta e o espaço é da conquista dos mais competentes.

O fisicamente mais fraco dos grandes mamíferos, o Homem (Por favor, não com o politicamente correto “e a Mulher”), tem na inteligência sua principal arma. Pergunto-me, quando essa inteligência e o discernimento humano superarão os nossos instintos mais primitivos?

Confesso que ao ver a destruição, o morticínio e o escárnio com tudo o que está ocorrendo na Ucrânia nestes dias, temo que o lado bestial da nossa natureza nunca venha a ser sublimado.

Nunca daremos adeus às armas!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Mar.2022

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA

Comentários

  1. Muito lúcida a opinião do Danilo sobre a famigerada lei do desarmamento. Essa lei não passa de um arremedo, uma falácia que estar a serviço do bandido e contra o cidadão de bem. Criada pela esquerda e todos os seus sequazes.

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