ESTATAIS SÃO NECESSÁRIAS?

 



Começo a alinhavar esta crônica, quinta-feira, 25 de agosto, Dia do Soldado. Minha velha memória leva-me ao ano de 1961, quando à tarde, após as solenidades desta data, o então presidente da República, Jânio Quadros, das quais havia participado, envia ao Congresso Nacional seu pedido de renúncia do mais alto posto do país.

Nestes 61 anos, as efetivas razões do ato extremo nunca foram esclarecidas. Teorias se construíram sobre fatos verificados à época: Jânio não tinha maioria no parlamento para aprovar seu programa de governo. Tal como hoje, congressistas buscavam o governo de “coalisão” (o termo não tinha sido inventado, os males, sim). O presidente se recusava a submissão e resistia com o apoio popular que obtivera nas eleições, que foi erodido pela ação da grande imprensa nacional (muitos são os mesmos grupos de hoje) que passaram a acusá-lo de esquerdista e até de comunista, usando como pretexto uma  condecoração a  Guevara, então Ministro de Cuba,  e de ter alinhado o Itamaraty à Política Externa Independente, movimento do qual faziam parte Nasser (Egito), Nehru (Índia) e Tito (Iugoslávia) líderes que procuravam romper com a polarização da Guerra Fria.

Ao não fazer concessões ao “Centrão” da época, Jânio teve que renunciar. Essa é uma das teorias, a qual endosso. Eu vi.

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Tema palpitante para a sociedade brasileira é a desestatização das empresas públicas, sempre discutido a partir de visão ideológica, com forte carga corporativista, nublando a avaliação serena que os cidadãos devem ter para se manifestarem, apoiando esta ou aquela linha de pensamento.

Na sexta-feira, 19/8, o Rotary Clube de Brasília Lago Sul, do qual sou associado, recebeu o economista Fernando Antônio Ribeiro Soares, para uma palestra sobre o tema “Criação, manutenção e desestatização de empresas estatais”. Funcionário público concursado do Ministério da Economia, formado na UFMG, com mestrado e doutorado na UnB, Fernando alertou o público que sua apresentação estaria assente exclusivamente em argumentos técnicos e assim se pautou durante os 40 minutos em que encantou os presentes com sua explanação. Note-se que os clubes de Rotary são costituidos por pessoas de formação e experiências de vida bastante heterogêneas, o que lhes permite avaliações de diversos ângulos de interesse.

Sem economês, com exemplos e clareza, o expositor trouxe ao nosso conhecimento a histórica necessidade da criação de estatais, no tempo e no espaço, onde a iniciativa privada não teve condições de empreender, situação que em determinados casos ocorrem ainda hoje.

Cumprida a missão do desenvolvimento regional ou nacional, o Estado pode (e deve) se afastar da atividade empresarial, passando-a para a iniciativa privada, usando os recursos auferidos em outros programas de interesse social, de investimento em infraestrutura ou até, repetindo a dose, isto é, criando empresas públicas onde elas possam catalisar desenvolvimento e bem-estar.

Exemplos variados, experiências vividas foram relatados.

Aberto para perguntas, o tempo regulamentar das reuniões de Rotary se esgotaram, até que para desgosto de muitos dos presentes, teve que valer o protocolo da instituição, quando o Secretário anunciou, que só seria admitida mais uma pergunta, “pelo adiantado da hora”.

Além dos esclarecimentos sobre o tema, sem paixões e de modo absolutamente objetivo, para um auditório crítico, pode-se observar a qualidade daquele quadro do governo. Falando sem peias, expondo seus pontos de vista técnicos, devidamente comprovados, Fernando Soares nos mostrou que o Brasil tem jeito!

Por que insisto nesse ponto? Leio com frequência nos jornais, matérias que procuram desvalorizar os funcionários públicos, ora apresentando-os como ineficientes, ora como percebendo salários maiores que os correspondentes aos da iniciativa privada. Na verdade, as duas carreiras não são comparáveis.

Para ficarmos só do ingresso, a carreira pública se dá atualmente por concorridíssimos concursos públicos. Quem opta pelo Serviço Público faz a escolha de uma vida e de suas limitações. A competência e a dedicação podem ser percebidas pelo cidadão ao notar que, apesar da carência de recursos, o atendimento é dia a dia melhor. A recente Pandemia deu exemplo do que são os funcionários públicos brasileiros.

É preciso parar com a orquestração contra os servidores de carreira, que nasce do desejo de políticos que pretendem, ao ascender ao poder, nomear apaniguados para os cargos, destruindo a estrutura permanente. É o grande número de nomeações para funções de confiança de pessoas de fora do serviço público o que reduz a qualidade desses serviços.

O Brasil tem um número expressivo de Fernandos Soares, competentes, preparados, sérios, dedicados nos diversos níveis e funções do governo.

Lembro-me de um Ministro da área econômica, que recém nomeado, numa declaração à imprensa, manifestou sua surpresa por ver nas ruas de Brasília, “cidade de funcionários”, circulando “tantos carros caros, alguns até importados”. Sua conclusão foi que os funcionários estavam ganhando demais.

Esse é um problema recorrente. Executivos trazidos para o 1º escalão, recrutados da iniciativa privada, nada entendem da máquina pública e causam grande confusão e só após um par de anos é que começam a conhecer desse complexo universo administrativo, bem diferente de suas indústrias ou de seus bancos.

Sobre o Ministro preconceituoso, ele ficou pouco por aqui, a empresa da qual ele tinha sido o CEO, estava mal das pernas e acabou por se juntar com outras do mesmo segmento, formando um cartel para sobreviver.

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Ago. 2022

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotaria de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA

 


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