O COMPROMISSO DEMOCRÁTICO

 



Lembro-me quando aos 19 anos, em 1960, pela primeira vez votei para presidente da república. Votei em Jânio, orgulhoso do cumprimento do meu dever de cidadão. Eu acreditava na democracia, que era o regime que eu conhecia: nascido em 1941, a primeira notícia que tive do mundo político foi o falecimento da Dona Carmela Dutra, Dona Santinha, esposa do Presidente Dutra, por ter seu sepultamento ocorrido no mesmo dia em que o de minha bisavó, e ter se dado no mesmo cemitério, o São João Baptista, no Rio de janeiro,1947. Eu vi.

Da eleição-retorno de Getúlio em 1950, recordo-me do carnaval na Rua Visconde do Uruguay, em Niterói, da marchinha que falava do “sorriso do velhinho” e do retrato que deveria ser colocado no mesmo lugar, com referência ao que ocorrera em 1946, quando o retrato de Getúlio presidente, havia sido retirado das paredes dos milhares de repartições públicas de todo o país, onde haviam sido colocados, em um típico culto à personalidade dos ditadores. Naquele carnaval de 1950, ouvi falar de Getúlio e vi sua sorridente fotografia.

Já adolescente acompanhei atento a crise que culminou com o suicídio de Vargas. Li jornais, ouvi transmissões radiofônicas, fui à comícios. Pela primeira vez, senti a fragilidade da democracia e como ela era incômoda a muitos participantes do jogo político.

Entre crises duradouras, vi presidentes breves. O Vice Café Filho de 24/8/54 a 8/11/55. Carlos Luz, Presidente da Câmara dos Deputados, em meio a uma crise político-militar, ostentou o título por 72 horas. Naqueles dias, a democracia foi mesmo garantida pela espada forte de um militar, Marechal Henrique Teixeira Lott, que impôs pela força a posse de Juscelino, eleito em 1955, e fez valer a democracia ameaçada por quem não a queria.

Cinco anos de respeito às liberdades democráticas (1956 - 1960), crença fundamental de Kubitschek, parecia que consolidaria o regime que nascera em 1946.

A inesperada renúncia de Jânio, em 1961, solta nas ruas forças descompromissadas com a vontade popular, que entram em embate. Há uma disputa no terreno ideológico e psicossocial que dura longos meses.  Parte da população é estimulada, excitada e conduzida por suas lideranças a sentir-se ameaçada. Vai às ruas, faz manifestos, pede por democracia e derruba o governo Goulart, que na tentativa de manter-se, alinha-se com forças francamente autocráticas. Instala-se, no vácuo do poder, um movimento militar que promete para breve a restauração da democracia no País. Não foi o que ocorreu!

Voltei a votar para presidente da república em 1989, vinte e sete anos depois da primeira vez. Eu tinha então 48 anos.

Há poucos dias o Brasil tomou conhecimento de uma carta assinada por expressivas figuras da sociedade e da sua intelectualidade em favor da democracia. Toda manifestação democrática é bem-vinda para democratas de boa-fé, que acreditam nos princípios de eleições universais, de pluralidade partidária, de liberdade de imprensa, de poderes republicanos independentes, de liberdade econômica, de respeito às leis instituídas.

No passado dia 16, iniciou-se oficialmente a campanha eleitoral para as eleições de outubro, na qual, como é óbvio, propostas político-ideológicas se apresentam aos eleitores. Espera-se mesmo que ao longo dos próximos dias as campanhas se empenhem na elucidação das suas alternativas para a solução dos impasses que dificultam o desenvolvimento do país e não enveredem pelo inóspito terreno das agressões pessoais, que exacerbam os ânimos das militâncias e descambam para um clima de intolerância e agressividade que é tudo que está fora de um protocolo de convivência civilizada.

Sabemos que em todos os espectros ideológicos existem as franjas radicais, em geral minoritárias, que sabendo-se incapazes de sensibilizar a maioria dos eleitores, isto é, da população, para que sejam eleitos, enquistam-se nos partidos, à espera de poderem golpear a democracia e chegarem ao poder pela força ou por artifícios ardilosos. Com frequência ouvimos declarações de líderes dessas facções neste sentido: “Não precisamos de eleições para chegar ao poder”.

O que aqui quero ressaltar é que os signatários da Carta pela Democracia o fizeram, desta vez, pelo temor de um golpe a ser desferido supostamente pela Direita, tal como em 1964 movimentaram-se por temor da Esquerda que dava suporte a Goulart. Sinais trocados, mas que permite ler as similaridades.

 Aos puros de coração, no passado como agora, o compromisso é com a Democracia e esta não tem data de vencimento. Democratas o são para sempre – como torcedores do Flamengo - e não irão apoiar um golpe caso seu partido venha a ser alçado ao poder pelos mecanismos republicanos do voto universal: imprensa livre, liberdade de opinião, combate a corrupção.

No passado, pôde-se identificar os signatários ocasionais das cartas e manifestos de então.

Muitos foram os Democratas funcionais!

A Democracia é neutra, é como água de fonte, inodora, sem cor e sem sabor. Não veste camisa de partidos. É disponível aos justos, homens e mulheres de boa vontade, para levá-la aos oprimidos, aos que tem sede e fome de justiça e de moralidade!

Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Ago. 2022

danilosiliborges@gmail.com

O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA



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