VIVER SEM MEDO
Danilo Sili Borges
Ensina a sabedoria popular que
“quem tem ..., tem medo”. Se por um lado, a expressão é vulgar, chula, por
outro, encerra dessas verdades universais incontestáveis.
O medo há de ter nascido com o
instinto da autopreservação, com a defesa do próprio corpo para a manutenção da
vida e nada é mais legítimo que esse compromisso com os fatores que lhe
propiciaram estar experimentando as possibilidades deste planeta, o que
equivale a dizer do próprio Universo.
Ao longo do viver, agregamos
valores de origens diversas que se incorporam à nossa própria individualidade. Alguns
advindos da Natureza, outros da cultura da sociedade em que estamos inseridos,
com certeza alguns exclusivos, criados pelo nosso intelecto a partir das suas
interrelações com o meio em que transitamos. Valores, como o ouro de bens
materiais, o orgulho pelas realizações que nos distinguem da média, os dotes
inatos, a inteligência, a beleza, a força e os talentos específicos reforçam
personalidades e as diferenciam de tantas outras, comuns pela frequência
estatística. Mesmo sob o manto ralo da modéstia, somos, em boa parte, a
expressão das nossas vaidades, colhidas nas vilegiaturas pelos campos da
existência. Não há aqui juízos de valor entre seres bons ou maus.
Fui sempre avesso ao risco
físico. Não entendo que para viver sem medo alguém tenha que ser trapezista do
Cirque du Soleil ou praticante de esportes radicais, como voos livres, ou lutas
violentas. Não critico quem encontra nessas atividades a expressão de suas
individualidades. Sou franco em dizer que admiro, mas não invejo, os participantes do Rotary e-Clubes de Motociclistas,
como meus companheiros Antônio Zeferino e o Afonso Silveira, que sobre poderosas
máquinas enfrentam intempéries e estradas cheias de armadilhas em viagens de
milhares de quilômetros pelo mundo afora, ou como meu genro, Fred, que com sua
potente Kawazaki, sei lá eu com quantas cilindradas, própria para alcançar
altas velocidades, nela voa pelos caminhos e pistas, experimentando a sensação
proporcionada pelas suprarrenais ao produzirem copiosas chuvas de adrenalina.
A parte mais importante da nossa
individualidade construída está nos nossos afetos. Quem seria eu sem o que
sinto pelos meus filhos e neta, pela minha mulher, pelos meus amigos? Na fase
da vida em que estou, constato com clareza cristalina que o sentimento de união
que une corações afins não desparece com a distância, com a separação no tempo,
nem com a morte, ao contrário, se avoluma e se perpetua. Ótimo que seja assim,
é um alento, agora, quando vão rareando os que habitam a “nossa prateleira”, por
ter sido “mexida” pelo inevitável, na expressão do Emérito Professor Cláudio
Lúcio Costa, ao me comunicar alguma baixa no estoque dos nossos contemporâneos
docentes da UnB.
É fácil perceber que somos em
grande parte nossos apegos, vale até para a casa que vivemos, a mesa na qual
temos trabalhado durante décadas, os livros que nos apoiaram, distraíram ou
ilustraram, dispostos entre si em organização que só nós entendemos, na lógica
dos fatos que solitariamente encadeamos.
Todas as madrugadas, dois copos
d’agua para limpar e manter os rins, o primeiro café da infindável série diária
e o repasse de alguns princípios de vida e de conduta que me imponho lembrar no
cotidiano para não perder o rumo, e que me sobraram como extrato de uma vida simples
e de trabalho. Um deles: Viver sem Medo.
Ao refletir hoje sobre isso, e
que de algum modo procurei expressar nesta crônica, conclui que apenas o
despojamento total dos adereços que o indivíduo acresceu a si mesmo ao longo da
jornada vivencial poderia conduzi-lo a tal estado de aparente coragem e isenção
sobre as consequências das tempestades, tornados e furacões, que eventualmente
nos ameaçam.
Mas quem há de querer, em sã
consciência, atirar ao mar a preciosa carga que se vem acumulando das viagens pelas
terras das aventuras vividas, dos amores lembrados, dos prazeres fugidios, dos sofrimentos
curados, em busca da coragem, pelo esvaziamento dos tesouros da alma, com suas joias,
suas mágicas poções curativas para doenças da alma, seus venenos para extirpar
de pronto os vírus do ódio contra desafetos?
Há um aforismo que diz que “seu
coração está onde está o seu tesouro”. De nada adianta perder o medo e junto
deixar escapar o coração.
Muitas vezes em situações
extremas ouvimos: “Tenha coragem! Não tenha medo.” Coisa que só seria
alcançável – não sentir medo – pelo apagamento
do cabedal acumulado em uma vida, por renúncia integral à construção que
fizemos de nós próprios, mas isso é desaconselhável, se não for impossível.
Estou, ao fim deste texto,
refazendo o preceito que há tempos utilizo, “Viver sem medo”, para outro, o do
caminho da melhor conduta, que é, ”Ter a coragem de viver com medo, mantendo a
dignidade”!
Crônicas da Madrugada
Brasília, abril de 2023
Danilo Sili Borges
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília
Danilo - este texto, eu m particular, mexe comigo - quando vão rareando os que habitam a “nossa prateleira”, por ter sido “mexida” pelo inevitável, na expressão do Emérito Professor Cláudio Lúcio Costa, ao me comunicar alguma baixa no estoque dos nossos contemporâneos.,.Estoque dos nossos comtemporaneos prateleira vai rateando apontando para nossa bola da vez!!!!
ResponderExcluir. Abs