A PÁTRIA DE CHUTEIRAS
No próximo dia 20 a seleção
estreia na Copa do Catar e pela primeira vez na minha vida de torcedor não vejo
o clima habitual para a época.
Em 1950, pela primeira vez, vivenciei,
aos 9 anos de idade, uma Copa do Mundo de Futebol. A seleção nacional era
constituída, em grande parte, pelos craques do Vasco, clube que já me havia
conquistado. A estrela do plantel era o goleador Ademir Menezes, o goleiro
Barbosa, um ídolo, ambos entre outros e até o meu xará Danilo, eram cruzmaltinos.
O comandante, que então não recebia o título honroso de Professor, era Flávio
Costa, também, técnico do time de São Januário.
Aquela foi a primeira vez em que o sentimento
de nacionalidade brotou com força em meu íntimo, primeiro com as glórias das
vitórias acachapantes, depois com o sabor amargo da última batalha e da guerra
perdida. Em poucos dias, os que duraram o certame, o eu-menino recebeu a
iniciação de nacionalidade, do pertencimento de ser brasileiro, com todas as
suas consequências. Isso foi para sempre.
Para o garoto, perdemos uma
guerra, para o povo também. Morador de Niterói, eu estudava em um colégio ao
lado da casa de Zizinho – naquela época os craques não eram ricos, não tinham
palácios em Angra e eram gente como nós – e a conversa na vizinhança era que
após 5 dias o maestro e cérebro da seleção ainda chorava e não saía de casa
pelo desgosto da derrota.
Eu já tinha intuído, como a
totalidade dos da minha geração, o que anos depois, Nelson Rodrigues, que
melhor que ninguém, soube traduzir em palavras as relações do brasileiro com o
futebol, ao dizer que a “seleção é a Pátria de chuteiras”.
A cada quatro anos, uma nova
guerra, brilhantes lutadores, alguns inesquecíveis como Garrincha, como Pelé, o
mais genial de todos. E aqui cabe uma observação: a ingratidão do brasileiro
com esse inigualável desportista e cidadão, que por questões mesquinhas,
ideológicas, tem sistematicamente tido sua imagem pública atingida e sofre,
mesmo agora, combalido no poente da vida, de programado esquecimento por uma
mídia implacavelmente partidarizada. Sobre o tema publicamos a crônica “Primeiro e Único”, em 19 de dezembro de
2021, que pode ser lida em https://www.cronicasdamadrugada.net/2021/12/primeiro-e-unico.html
Voltemos ao tema. Não deixei de
acompanhar, nestes 72 anos, as 17 copas realizadas e estou preparado para
assistir a cada lance da “canarinho”, na décima-oitava. Não vou jurar, pois o
tempo apaga a memória, mas pelo rádio ou pela TV, acompanhei, em tempo real,
todos os seus jogos.
Não sei se estou certo, ou se é a
minha condição de idoso, que limitando minha mobilidade, me faz concluir que o
entusiasmo e a identificação do brasileiro com a nossa seleção não é a mesma de
outros tempos. Não vejo tanto entusiasm
o, apesar do time maravilhoso que o
Professor Tite conseguiu reunir e treinar, favoritíssimo ao hexa.
Assustei-me e decepcionei-me ao
tomar conhecimento que prestigiado cronista desportivo, que brilhou no futebol,
inclusive como destacado atacante da seleção, afirmou que torceria contra a
representação brasileira na Copa do Catar, por estar no plantel, convocado por
Tite, Neymar Junior, um dos melhores atletas do mundo na sua especialidade, por
ter o craque apoiado Bolsonaro na eleição. Mistura de alhos com bugalhos, comum
em tantas cabeças atuais. Vejo até botafoguenses, torcendo contra o Flamengo em
jogos decisivos contra times argentinos! Impossível para gente da minha época,
de coração verde-amarelo.
Estaria a nossa representação de
futebol deixando de ser um símbolo informal da nacionalidade, como a percebeu o
escritor e jornalista Nelson, por razões que desconheço? Ou o fenômeno tem
raízes mais profundas?
Estariam os demais símbolos da
nacionalidade perdendo sua força aglutinadora? O Hino, a Bandeira, as Armas e o
Selo.
Sou por natureza e formação um
pacifista, um humanista, um cidadão do mundo. Entendo claramente que o planeta
é a casa comum de toda a humanidade e de toda a vida que aqui existe e que deve
ser preservada. Mas sei e sinto que o amor pelo que nos é próximo, pelo que nos
trouxe ao mundo, que nos sustentou física, moral e culturalmente desde os
primeiros dias fazem parte fundamental da nossa natureza, sem que isso exclua o
entorno maior.
O amor é inclusivo. Amo meus
irmãos de sangue, minha família, meus vizinhos......minha raça, minha Pátria.
Tudo o que pregue diferente
disso, no meu entender, sob qualquer pretexto, deve ser excluído e considerado
como crime de lesa-pátria.
Crônicas da Madrugada. Danilo
Sili Borges. Brasília – Nov. 2022
O autor é membro da
Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
De fato não faz sentido misturar política c futebol. Somos todos brasileiros e vamos torcer juntos. Danilo, sua brasilidade e marcante e admirável. Abs. Ronaldo carneiro
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